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Nossos filhos. Crônica do João Costa

João Costa (*)

Os filhos chegam em nossas vidas e nos encantam. Depois crescem e viram saudade. Mesmo próximos, ficam distantes. Seguindo suas vidas, cada qual vivendo de acordo com suas escolhas. Livres. Independentes. E nós também seguimos, saudosos, carregados de lembranças. Sem mais nenhum direito sobre eles, nem mesmo o de vê-los adormecer no sofá da sala e levá-los nos braços para a cama.

Lembro-me com saudade dos meus filhos, pequenos, em nosso lar. Como era bom chegar em casa e encontrá-los felizes à minha espera. O jantar, todos reunidos. Depois, na sala, vendo TV. Quando não iam para a cama logo que mandávamos, pois tinham que acordar cedo para ir à escola, dormiam ali mesmo, no sofá, muitas vezes no meu colo e no colo da mãe. Então nós os pegávamos nos braços e os levava para suas camas.





Como eram doces aqueles dias, como eram cheios de luz e vida! Como era cheia de vida nossa casa, cheia da melodia da algazarra das crianças, do corre-corre, da bagunça. Como cheguei a expressar numa trova certa vez: 
O som da felicidade
ecoava em nosso ambiente;
hoje, em silêncio, a saudade
destoa a vida da gente.

Pena o pouco tempo para ser mais presente. O pai sempre sofre com isso. Passa mais tempo fora, trabalhando. Eu saía muito cedo para o trabalho e voltava à noite. Meu tempo se resumia nas poucas horas de minha chegada até adormecerem. Só mesmo nos dias de folga é que eu podia ficar mais tempo com eles. E eu aproveitava o máximo. Acho que fui um bom pai, sempre presente, dentro do que me permitia o tempo. Se não fui o pai que deveria ter sido, procurei ser o melhor que pude. 

Mas o tempo passou, eles cresceram e voaram, deixando o ninho vazio. 

Me lembro de certo texto do livro O Profeta, de Khalil Gibran, no capítulo em que o profeta, em seu discurso de despedida da cidade em que viveu durante muitos anos, fala sobre os filhos em relação aos pais: 
“Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.”

Quando li este texto pela primeira vez, era um adolescente. Li o livro a pedido do professor de Português e Literatura, valendo nota. Nada me disse essa parte do livro. Sequer pensava, nessa época, em constituir família, ter filhos. 

Quando casado, com os filhos pequenos, encontrei esse livro numa feira de livros no centro do Rio, na Cinelândia. Comprei-o, pois me lembrava que se tratava de um livro bom, que marcou minha adolescência, ao lado de outros célebres da época, como O Pequeno Príncipe, de Saint Exupery, e Deus Negro, de Neimar de Barros. Quando cheguei ao capítulo sobre os filhos, o texto me incomodou. Não aceitei a ideia de que meus filhos não eram meus, que não me pertenciam. Isso não. Eram meus sim, me pertenciam sim. Gibran não sabia de nada. Não entendia nada sobre filhos. Nem sei se ele teve filhos. Com certeza não escreveria isso se fosse pai. Odiei Gibran.

Mas quando o tempo aprontou comigo, me roubando meus filhos de mim, vi que Gibran estava certo. Infelizmente estava certo. E que tristeza, que dor, ter que admitir que as palavras do Profeta eram verdadeiras: 
“Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.”

Ah, tempo! Você age assim porque não entende de família, não sabe o que é ter filhos, criá-los com amor e dedicação. Se tivesse a doce felicidade de ter tido filhos, com certeza, teria mais consideração com os pobres pais, cuja ventura de ser pais com a presença dos filhos é tão breve. Seria mais condescendente com essas criaturas que somente gostariam que seus filhos não crescessem, que não criassem asas e abandonassem o ninho. 

Pobre de nós, pais, vítimas do tempo! E o que dói mais é saber que nossos filhos também passarão por esse mesmo sofrimento. Pois o destino dos filhos é serem pais. E de seus filhos também. O tempo se diverte com essa situação e a perpetua ad eternum.

Só nos resta mesmo seguir saudosos, carregando nossas lembranças banhadas de saudade, sem mais nenhum direito sobre nossos filhos, nem mesmo o de vê-los adormecer no sofá da sala e depois levá-los nos braços para a cama, como acontecia quando eram pequenos em nossa casa.

(*) João Costa é natural de Monerat, Distrito de Duas Barras - RJ. É jornalista e sempre militou na área de comunicação, começando em rádio, em Nova Friburgo. No Rio, trabalhou em diversas emissoras, tais como Rádio América da Guanabara, Manchete FM e Alvorada FM. Morou em Araguari, onde trabalhou na Rádio Alvorada FM e no Diário de Araguari. Reside em Saquarema - RJ, onde edita um jornal alternativo de circulação regional. 

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