Perigoso caminho entre o álcool e o coração
Américo Tângari Junior (*)
Os médicos precisam se armar de muito cuidado ao transmitir informações sobre bebida alcoólica, especialmente num País de grandes carências, a partir de uma educação deficiente, em que as palavras nem sempre são bem compreendidas ou assimiladas. Sabemos que a bebida pode se transformar em veneno letal.
Os médicos precisam se armar de muito cuidado ao transmitir informações sobre bebida alcoólica, especialmente num País de grandes carências, a partir de uma educação deficiente, em que as palavras nem sempre são bem compreendidas ou assimiladas. Sabemos que a bebida pode se transformar em veneno letal.
Não se deve dar a qualquer pessoa um salvo-conduto ou um passaporte para o vício: dizer que isso faz bem pode ser a passagem para uma viagem sem volta. Pois, a quem não interessa ouvir, a ressalva de beber em pequenas doses não terá o menor efeito.
Afinal, os médicos conhecem os benefícios do álcool, desde que respeitados os princípios básicos do comedimento e do bom senso. O problema é a compreensão desse fato pelo paciente. Abrir totalmente o jogo é como ficar entre o céu e o inferno, entre receitar um remédio ou um veneno. O mais indicado é mostrar os malefícios do álcool no organismo – da ameaça de uma cirrose hepática aos danos no coração.
Na verdade, alguns bebedores deveriam se submeter a um check-up antes de se aventurar em um porre noite afora, principalmente se são portadores de fatores de risco para o coração. Um exemplo: as mortes de jovens estão se tornando rotineiras em virtude da mórbida combinação de bebida alcoólica com energéticos ou com a cocaína. O resultado é taquicardia com risco de arritmia.
E basta beber um pouco mais todos os dias para que este jovem integre a fila dos distúrbios graves. Se não morrer de cirrose, pode se perder pelo coração. O hábito do álcool pode causar hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e aumento de ingestão de calorias, e, ainda, é causa da obesidade e do aumento do risco de diabetes, além de afetar fígado, cérebro, medula óssea, etc.
Os males vêm de todos os lados. A ação do álcool nos rins, por exemplo, se manifesta pelo excesso de urina. Urinar de maneira frequente e intensa afeta o coração, pois nesse ato são eliminados minerais como magnésio e potássio, que influenciam o funcionamento cardíaco. Durante e após uma bebedeira, o ritmo do coração pode apresentar alterações, o que é um perigo.
Com o tempo, o músculo tende a se dilatar e as válvulas cardíacas, que impedem o sangue de voltar para trás, começam também a funcionar mal. A circulação do sangue é afetada, favorecendo o acúmulo de líquidos nos pulmões e nos periféricos, especialmente nos membros inferiores.
Esta dilatação do coração é chamada cardiomiopatia, comprometimento do músculo cardíaco muito comum em usuários de álcool. Convém esclarecer que algumas pessoas são mais susceptíveis ao álcool, provavelmente por fatores genéticos. As mulheres também são mais vulneráveis. Por isso, até mesmo o consumo de álcool considerado “socialmente aceitável” pode causar, no longo prazo, alterações cardíacas irreversíveis.
Os sintomas são de insuficiência cardíaca - cansaço fácil, falta de ar com esforços progressivamente menores, necessidade de dormir com a cabeça elevada, de urinar mais vezes à noite do que de dia, palpitações, inchaço dos pés e das pernas e perda da consciência.
O médico, por sua vez, pede análises para averiguar carência de algumas substâncias essenciais para o bom funcionamento do coração, caso do potássio, do magnésio e de algumas vitaminas.
O tratamento, em geral, começa pelo abandono definitivo da bebida, única maneira de controlar a progressão da doença. É muito importante evitar o sal, fazer uma dieta equilibrada e praticar exercício físico moderado, como andar a pé. Tudo isso deve ser mantido para o resto da vida.
Segundo estudos mais avançados na Europa e nos Estados Unidos, a bebida pode fazer bem ao organismo, desde que se consuma um copo de 140cc de vinho (a 12,5%), 330cc de cerveja (a 5%) ou 40cc de uma bebida espirituosa (a 40%), como o uísque.
Algumas bebidas são mais perversas, tudo depende da quantidade de etanol consumida. Trezentos mililitros de destilados, por exemplo, têm dez vezes mais etanol do que 300 ml de cerveja. Além disso, existem bebidas com compostos que podem ter efeitos diversos sobre o organismo; é o caso do resveratrol do vinho, substância benéfica por aumentar o chamado colesterol bom.
Mas sempre com a ressalva: vinho tinto e seco, em pequenas quantidades e no longo prazo, tende a fazer bem. Isso significa cerca de uma pequena taça (de 40 ml) por dia. Estudos indicam a redução da incidência de alguns tipos de câncer entre seus consumidores moderados.
Outras pesquisas sugerem menos risco de desenvolvimento de diabetes tipo II entre bebedores leve-moderados. Porém, em excesso, o vinho é tão prejudicial quanto qualquer bebida alcoólica.
De todo modo, esta é uma decisão difícil: todos sabem que a bebida pode não fazer tão mal à saúde, caso sejam resguardados princípios básicos de moderação; ao mesmo tempo, uma frase que seja a favor do álcool pode servir de consolo ao paciente que aprecia tomar alguns goles a mais e ultrapassar os limites do perigo.
Mas é, acima de tudo, uma questão de ética médica: cada profissional deve avaliar se um paciente sairá de seu consultório tropeçando no fio da navalha.
(*) Américo Tângari Junior é especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira. Integra a equipe de Cardiologia no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
(*) Américo Tângari Junior é especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e Associação Médica Brasileira. Integra a equipe de Cardiologia no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo.
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