Detalhes de um jogo
José Roberto Peters (*)
Eram 26 mil flamenguistas — contando comigo e o Zé Paulo, meu filho. E como o público somou mais onze torcedores ficamos assim: os rubro-negos, um torcedor com a camisa do grêmio e dez ucranianos — provavelmente da embaixada. O jogo: Flamengo e Shakhtar Donetsk, no Mané Garrincha, em janeiro. Era um torneio meio Mandrake que organizaram por aqui.
Com esse tanto de flamenguistas era de se esperar unanimidade. Qual o quê! A única — até mesmo entre os ucranianos — foi a presença do Zico pro pontapé inicial. Valeu o ingresso ver o galinho tabelando com o Lucescu, técnico romeno da equipe do Shakhtar e jogador daquela bela equipe da Romênia que deu aperto na seleção de Pelé, Tostão e Rivelino em 70.
Divisões: a Urubuzada num canto das arquibancadas superiores, a Nação Rubro-Negra em outro canto. Duas torcidas organizadas que — como diria Luis Fernando VerÃssimo — são como abóbora e moranga: da mesma famÃlia, mas que não se dão bem. Quando uma canta determinada música a outra canta uma diferente. Vai entender.
O resto da torcida, no anel intermediário, proporcionou outra cena de quase unanimidade: o coro de xingamentos homofóbicos ao gremista. Penso que se fosse um colorado levaria também um monte de “vai pra Cuba” por causa da camisa vermelha. Parece que a gente não pode vestir o que quer. Culpados pela nossa escolha de panos e cores.
Atrás de um dos gols dois torcedores com uma faixa emblemática: “Todo poder à República Democrática de Donetsk”. Pelo jeito a faixa foi colocada por dois torcedores: um com a camisa da extinta União Soviética — aquela com o CCCP que em 58 ganhou a tradução bem humorada de “Camaradas, Cuidado Com Pelé” — e outro com a camisa com a estampa do Guevara.
Pouca gente no estádio se deu conta dessa manifestação polÃtica. Um dos ucranianos é que ao final do jogo olhou praquele lado e “deu uma banana”. Ficou incomodado. Então a faixa surtiu efeito. Assim é a democracia. E se você que está lendo pensa que futebol não combina com polÃtica e que aquele não era palco pra essa troca de gentilezas sugiro que leia “Como o Futebol Explica o Mundo”, de Franklin Foer ou “Futebol ao Sol e à Sombra”, do Galeano.
O time do leste europeu está recheado de brasileiros — dez entraram na partida. Então quem foi ao campo treinado pra falar mal do adversário em ucraÃno — como dizia a minha vó, descendente daquele povo eslavo, ao invés de falar ucraniano — perdeu a viagem. Um dos nacionais era o Bernard, que saiu do Atlético de Minas.
Pois é. E era só o Bernard pegar na bola e parte do estádio gritava “sete a um”. Coitado do menino: pagando aquela derrota pros alemães. Pior: a constatação que o brasileiro não só fala mal de si próprio, mas procura sempre um bode expiatório pras suas frustrações, e quase sempre no lugar errado.
E os preços? Bem caros, mesmo pros padrões brasilienses. Claro que entra em campo — com o perdão do trocadilho — o jeitinho brasileiro: “compra meia que ninguém vai olhar lá no estádio”, me disse a vendedora dos ingressos. Duvidei e ela disse: “compra meia e leva dois quilos de alimentos que entra sem problemas”. De fato. No estádio ninguém olhou o tipo do ingresso. E mais jeitinho: os ambulantes além das camisas nada oficiais, bonés e outras bugigangas vendiam arroz e feijão.
Ah! Se queres saber da partida digo que os dois times naquele dia fizeram quase que um jogo casados contra solteiros — só que sem o barril de chope do lado do campo. Com a bolinha que jogaram nenhum passaria de fase no torneio de futebol amador de Araguari. Mas era só o começo da temporada.
E, ao fim e ao cabo, arrisco dizer que se o Bruno Porpeta — que tem um belÃssimo blog sobre futebol — estivesse junto ia convencer eu e o Zé Paulo a chamar mais oito quaisquer, escolher um pro gol (quem perdesse no sorteio, é claro) e gritar pro campo: “tem time de fora”.
(*) José Roberto Peters – Mestre em Educação CientÃfica e Tecnológica, professor universitário e consultor técnico da OPAS no Ministério da Saúde.
Eram 26 mil flamenguistas — contando comigo e o Zé Paulo, meu filho. E como o público somou mais onze torcedores ficamos assim: os rubro-negos, um torcedor com a camisa do grêmio e dez ucranianos — provavelmente da embaixada. O jogo: Flamengo e Shakhtar Donetsk, no Mané Garrincha, em janeiro. Era um torneio meio Mandrake que organizaram por aqui.
Com esse tanto de flamenguistas era de se esperar unanimidade. Qual o quê! A única — até mesmo entre os ucranianos — foi a presença do Zico pro pontapé inicial. Valeu o ingresso ver o galinho tabelando com o Lucescu, técnico romeno da equipe do Shakhtar e jogador daquela bela equipe da Romênia que deu aperto na seleção de Pelé, Tostão e Rivelino em 70.
Divisões: a Urubuzada num canto das arquibancadas superiores, a Nação Rubro-Negra em outro canto. Duas torcidas organizadas que — como diria Luis Fernando VerÃssimo — são como abóbora e moranga: da mesma famÃlia, mas que não se dão bem. Quando uma canta determinada música a outra canta uma diferente. Vai entender.
O resto da torcida, no anel intermediário, proporcionou outra cena de quase unanimidade: o coro de xingamentos homofóbicos ao gremista. Penso que se fosse um colorado levaria também um monte de “vai pra Cuba” por causa da camisa vermelha. Parece que a gente não pode vestir o que quer. Culpados pela nossa escolha de panos e cores.
Atrás de um dos gols dois torcedores com uma faixa emblemática: “Todo poder à República Democrática de Donetsk”. Pelo jeito a faixa foi colocada por dois torcedores: um com a camisa da extinta União Soviética — aquela com o CCCP que em 58 ganhou a tradução bem humorada de “Camaradas, Cuidado Com Pelé” — e outro com a camisa com a estampa do Guevara.
Pouca gente no estádio se deu conta dessa manifestação polÃtica. Um dos ucranianos é que ao final do jogo olhou praquele lado e “deu uma banana”. Ficou incomodado. Então a faixa surtiu efeito. Assim é a democracia. E se você que está lendo pensa que futebol não combina com polÃtica e que aquele não era palco pra essa troca de gentilezas sugiro que leia “Como o Futebol Explica o Mundo”, de Franklin Foer ou “Futebol ao Sol e à Sombra”, do Galeano.
O time do leste europeu está recheado de brasileiros — dez entraram na partida. Então quem foi ao campo treinado pra falar mal do adversário em ucraÃno — como dizia a minha vó, descendente daquele povo eslavo, ao invés de falar ucraniano — perdeu a viagem. Um dos nacionais era o Bernard, que saiu do Atlético de Minas.
Pois é. E era só o Bernard pegar na bola e parte do estádio gritava “sete a um”. Coitado do menino: pagando aquela derrota pros alemães. Pior: a constatação que o brasileiro não só fala mal de si próprio, mas procura sempre um bode expiatório pras suas frustrações, e quase sempre no lugar errado.
E os preços? Bem caros, mesmo pros padrões brasilienses. Claro que entra em campo — com o perdão do trocadilho — o jeitinho brasileiro: “compra meia que ninguém vai olhar lá no estádio”, me disse a vendedora dos ingressos. Duvidei e ela disse: “compra meia e leva dois quilos de alimentos que entra sem problemas”. De fato. No estádio ninguém olhou o tipo do ingresso. E mais jeitinho: os ambulantes além das camisas nada oficiais, bonés e outras bugigangas vendiam arroz e feijão.
Ah! Se queres saber da partida digo que os dois times naquele dia fizeram quase que um jogo casados contra solteiros — só que sem o barril de chope do lado do campo. Com a bolinha que jogaram nenhum passaria de fase no torneio de futebol amador de Araguari. Mas era só o começo da temporada.
E, ao fim e ao cabo, arrisco dizer que se o Bruno Porpeta — que tem um belÃssimo blog sobre futebol — estivesse junto ia convencer eu e o Zé Paulo a chamar mais oito quaisquer, escolher um pro gol (quem perdesse no sorteio, é claro) e gritar pro campo: “tem time de fora”.
(*) José Roberto Peters – Mestre em Educação CientÃfica e Tecnológica, professor universitário e consultor técnico da OPAS no Ministério da Saúde.
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