O infante colonizado e o Zorro
Neiton de Paiva Neves
Minha geração (claro, é possível que tenha escapado alguém) foi colonizada pelo conteúdo e mensagens dos filmes, histórias em quadrinhos, livros etc. produzidos nos Estados Unidos, vendendo o “american way of life” (ou “estilo de vida americano”), inclusive seus heróis reais e fictícios. Aquilo tudo invadiu nossas vidas, instalou-se em nossa cabeça e condicionou nosso modo de ser e de querer viver.
Dentre aqueles vários heróis que povoaram minha pré-adolescência, falo aqui de dois: o Zorro. Isso mesmo, de dois, o Zorro. Não é erro, pois no Brasil existem mesmo dois Zorros.
Um, no original “The Lone Ranger” (O cavaleiro solitário), só no Brasil traduzido como Zorro, é um esperto e valente cowboy do oeste que usa máscara na metade superior do rosto, tem como parceiro o índio Tonto, um belo cavalo branco, Silver, e usa balas de prata.
Outro, o Zorro sem tradução, é um aristocrata da Califórnia, na época território mexicano, que usa máscara e capa negras e espada, tem um belo cavalo preto, Tornado, e brinca com seu perseguidor, o desajeitado Sargento Garcia. Em comum, os dois Zorros, lutam pelo povo, contra a opressão e a injustiça e vez ou outra,são resgatados em filmes.
O Zorro espadachim teve duas novas versões, em 1998 e 2005, ambas estreladas por Antônio Bandeiras, que, com poucas novidades, mantiveram as caraterísticas do herói e de suas aventuras. Os filmes divertem dentro da zona de conforto, e, por isso, são descartáveis.
O outro Zorro, O Cavaleiro Solitário, teve, com esse título, uma versão filmada em 2013, com Arnie Hammer no papel do herói e Johnny Depp como Tonto, numa superprodução de milhões de dólares, que ambicionava grande faturamento. Foi um fracasso merecido, porque não é um bom filme e mudou tudo, mostrando o herói como pessoa insegura, vacilante, confusa. E Tonto, que no original é tosco e rude, é mostrado como figura lúcida, mística e proativa. Esse filme me foi desconfortável e me desagradou, porque bagunçou as minhas memórias infanto-juvenis, virando-as pelo avesso.
Mas, o desconforto acabou sendo útil e me levou a refletir e concluir que as lembranças produzidas pela ficção são inconsistentes, falsas e irreais quanto a própria, e aquelas que valem mesmo são as memórias de fatos que realmente vivemos.
O filme sepultou minhas lembranças baseadas nas fábulas de heróis, como os Zorros e que resistiram mais tempo do que meu conceito dos Estados Unidos como modelo perfeito, que há muito tinha renegado, ao constatar que aquela noção do infante seduzido pelas artimanhas de seus filmes e tudo o mais, só se sustentavam na minha ingenuidade e ignorância, próprias de quem se iniciava na vida e de nada sabia.
E assim, o que me causou alguns problemas, cedo passei a rejeitar radicalmente o império americano e sua atuação como xerife do mundo, imiscuindo na soberania dos países sob sua órbita de influência, como quando fomentaram e ajudaram o golpe de 1964 no Brasil, que resultou na violenta ditadura que durou 21 anos. E, como fez no Chile e em vários outros países e continua fazendo.
Contudo, como tudo está em constante movimento e quem não se movimentar junto e ficar atrelado ao que mudou se aliena, não sou mais sectário como fui e admito, embora não incondicionalmente, mas com restrições e apesar de tudo, que os Estados Unidos é país extraordinário, com inegável importância e méritos incontestáveis, por inúmeras razões que este espaço não comporta.
Houve época em que achava estar certo em tudo e que mudar de ideia era prova de fraqueza e de insegurança. Com o correr da vida, surgiram e aumentaram as dúvidas sobre quase todas as minhas certezas.
Digo quase todas porque as certezas das ideias essenciais com o tempo se fortalecem e ajudam no ajuste, na mudança ou confirmação das periféricas e circunstanciais.
Os fatos têm pelo menos dois lados. E, embora possa ocorrer, pelo menos em tese, que dois lados opostos tenham razão, quase sempre a razão está apenas de um. E a importância disso é relativa, pois o que importa mesmo é saber aceitar as diferenças e conviver com os contrários. Mesmo deles discordando, civilizadamente.
Quanto aos blues, as clássicas canções e musicais, às HQs e ao cinemão americano, continuo apreciando e acabo de assistir o último filme do personagem ícone do patriotismo norte-americano, o Capitão América. Bom, bem feito, movimentado e com uma conveniente confissão de erros e de culpa.
Minha geração (claro, é possível que tenha escapado alguém) foi colonizada pelo conteúdo e mensagens dos filmes, histórias em quadrinhos, livros etc. produzidos nos Estados Unidos, vendendo o “american way of life” (ou “estilo de vida americano”), inclusive seus heróis reais e fictícios. Aquilo tudo invadiu nossas vidas, instalou-se em nossa cabeça e condicionou nosso modo de ser e de querer viver.
Dentre aqueles vários heróis que povoaram minha pré-adolescência, falo aqui de dois: o Zorro. Isso mesmo, de dois, o Zorro. Não é erro, pois no Brasil existem mesmo dois Zorros.
Um, no original “The Lone Ranger” (O cavaleiro solitário), só no Brasil traduzido como Zorro, é um esperto e valente cowboy do oeste que usa máscara na metade superior do rosto, tem como parceiro o índio Tonto, um belo cavalo branco, Silver, e usa balas de prata.
Outro, o Zorro sem tradução, é um aristocrata da Califórnia, na época território mexicano, que usa máscara e capa negras e espada, tem um belo cavalo preto, Tornado, e brinca com seu perseguidor, o desajeitado Sargento Garcia. Em comum, os dois Zorros, lutam pelo povo, contra a opressão e a injustiça e vez ou outra,são resgatados em filmes.
O Zorro espadachim teve duas novas versões, em 1998 e 2005, ambas estreladas por Antônio Bandeiras, que, com poucas novidades, mantiveram as caraterísticas do herói e de suas aventuras. Os filmes divertem dentro da zona de conforto, e, por isso, são descartáveis.
O outro Zorro, O Cavaleiro Solitário, teve, com esse título, uma versão filmada em 2013, com Arnie Hammer no papel do herói e Johnny Depp como Tonto, numa superprodução de milhões de dólares, que ambicionava grande faturamento. Foi um fracasso merecido, porque não é um bom filme e mudou tudo, mostrando o herói como pessoa insegura, vacilante, confusa. E Tonto, que no original é tosco e rude, é mostrado como figura lúcida, mística e proativa. Esse filme me foi desconfortável e me desagradou, porque bagunçou as minhas memórias infanto-juvenis, virando-as pelo avesso.
Mas, o desconforto acabou sendo útil e me levou a refletir e concluir que as lembranças produzidas pela ficção são inconsistentes, falsas e irreais quanto a própria, e aquelas que valem mesmo são as memórias de fatos que realmente vivemos.
O filme sepultou minhas lembranças baseadas nas fábulas de heróis, como os Zorros e que resistiram mais tempo do que meu conceito dos Estados Unidos como modelo perfeito, que há muito tinha renegado, ao constatar que aquela noção do infante seduzido pelas artimanhas de seus filmes e tudo o mais, só se sustentavam na minha ingenuidade e ignorância, próprias de quem se iniciava na vida e de nada sabia.
E assim, o que me causou alguns problemas, cedo passei a rejeitar radicalmente o império americano e sua atuação como xerife do mundo, imiscuindo na soberania dos países sob sua órbita de influência, como quando fomentaram e ajudaram o golpe de 1964 no Brasil, que resultou na violenta ditadura que durou 21 anos. E, como fez no Chile e em vários outros países e continua fazendo.
Contudo, como tudo está em constante movimento e quem não se movimentar junto e ficar atrelado ao que mudou se aliena, não sou mais sectário como fui e admito, embora não incondicionalmente, mas com restrições e apesar de tudo, que os Estados Unidos é país extraordinário, com inegável importância e méritos incontestáveis, por inúmeras razões que este espaço não comporta.
Houve época em que achava estar certo em tudo e que mudar de ideia era prova de fraqueza e de insegurança. Com o correr da vida, surgiram e aumentaram as dúvidas sobre quase todas as minhas certezas.
Digo quase todas porque as certezas das ideias essenciais com o tempo se fortalecem e ajudam no ajuste, na mudança ou confirmação das periféricas e circunstanciais.
Os fatos têm pelo menos dois lados. E, embora possa ocorrer, pelo menos em tese, que dois lados opostos tenham razão, quase sempre a razão está apenas de um. E a importância disso é relativa, pois o que importa mesmo é saber aceitar as diferenças e conviver com os contrários. Mesmo deles discordando, civilizadamente.
Quanto aos blues, as clássicas canções e musicais, às HQs e ao cinemão americano, continuo apreciando e acabo de assistir o último filme do personagem ícone do patriotismo norte-americano, o Capitão América. Bom, bem feito, movimentado e com uma conveniente confissão de erros e de culpa.
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