Mudar de idéia?
Neiton de Paiva Neves (*)
(Artigo publicado originalmente na revista Evidência,
edição de abril de 2007)
"Triste não é mudar de idéia. Triste é não ter idéia para mudar." A frase, ora atribuída a Francis Bacon, ora ao nosso Barão de Itararé, lembra outra, de Raul Seixas: “Eu prefiro ser aquela metamorfose ambulante a ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.
Essa questão é realmente um desafio sempre atual: devo ou não devo mudar de idéia? Na juventude achava que estava certo em tudo e mudar de idéia era inaceitável, prova de fraqueza e de insegurança. Com o correr da vida, surgiram e aumentaram as dúvidas sobre quase todas as antigas certezas.
Digo quase todas porque as idéias essenciais se fortalecem com o tempo e, de forma fundamental, ajudam no ajuste, na mudança ou confirmação das periféricas e circunstanciais.
Demorei um pouco a entender que em geral todo argumento pode ser contraditado e, embora possa pontualmente ocorrer que os dois lados tenham razão, quase sempre a razão está de um lado. Às vezes do meu lado; às vezes do outro.
Por isso, já não tenho tanta dificuldade de mudar uma idéia por outra melhor. É claro que me fiscalizo muito, porque não quero ser levado a trocar ou não trocar qualquer idéia por uma falha de caráter a que posso estar sujeito. Nada de ser volúvel, teimoso, malandro ou oportunista, de comercializar uma idéia em troca de alguma vantagem inconfessável. É imperioso resistir a essa tentação, porque matar uma idéia por alguns reais ou por alguma posição social, política etc., é uma das mais mesquinhas atitudes do ser humano, que o diminui diante de si mesmo e perante seus pares.
Mas, mudar de idéia pode ser um ato de humildade, de honestidade pessoal e até de coerência intelectual. O exemplo disso é que muitas conquistas da humanidade foram alcançadas por pessoas que não se acomodaram em suas idéias.
Grandes nomes da história, como Kant, Nietzche, Rosseau e outros, mudaram várias vezes de idéia e nem por isso são taxados de incoerentes uma vez que construíram obras que são monumentos perenes do pensamento humano.
A respeito, o escritor inglês A. L. Huxley, que também foi um mutante de idéias, mas nunca as mercantilizou, resumiu tudo numa frase: “O homem que pretende sempre ser coerente no seu pensamento e nas suas decisões morais é uma múmia ambulante ou, se não conseguiu sufocar toda a sua vitalidade, um monomaníaco fantástico”.
E o poeta americano W. Whitman, explode: “ Estou me contradizendo?/ Ótimo, então me contradigo./.. Sou imenso, contenho multidões).”
Não mudar uma idéia errada, equivocada, absurda, inaceitável, extemporânea, pode e costuma ser desastroso e causar males irreparáveis ao seu portador e aos que o cercam. A mudança está em tudo o que é vivo e se não houver mudança alguma coisa não está certa porque mudar é ser coerente com a marcha da vida.
E, como sempre ocorre em tudo nesta vida, para não mudar ou para mudar de idéia, é preciso bom-senso.
A minha opinião sobre Paulo Coelho (que por ter sido parceiro de Raul Seixas, dá para citar), o fabricante de best-sellers mundiais, ainda é a mesma, o que não impede a reprodução de seu texto:
“Não procure ser coerente o tempo todo. Afinal, são Paulo disse que ‘a sabedoria do mundo é loucura diante de Deus’.
Ser coerente é usar sempre a gravata combinando com a meia. É ser obrigado a ter, amanhã, as mesmas opiniões que tinha hoje. E o movimento do mundo – onde fica?
Desde que você não prejudique ninguém, mude de opinião de vez em quando, e caia em contradição sem se envergonhar disso.
Você tem este direito. Não importa o que os outros pensem – porque eles vão pensar de qualquer maneira.
Por isso, relaxe. Deixe o Universo se movimentar à sua volta, descubra a alegria de ser uma surpresa para você mesmo. ‘Deus escolheu “as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios’, diz são Paulo”.
Acrescento é preciso ter muito cuidado para não se mudar de idéia como se troca de camisa, ou de partido, ou de lealdade. Se não tiver, um dia quem pode ser trocado é...
Mestre Prefeito, não temos muita novidade no mundo do conheciento, especialmente depois do Sócratres e mesmo antes dele o Heráclito (540 a.C.- 470 a.C.). E sempre quando escuto falar em mudança de idéias me consolo com a frase célebre que ele deixou: “A única coisa permanente no universo é a mudança”. Tem havido depois deles poucas idéias inovadoras, inclusive ilustrando muitos filmes (podemos citar o Efeito Borboleta, cujo título original em inglês é Butterfly Effect, lançado em 2004). No livro de Marilena Chauí, “Convite à Filosofia”, ela deixou a seguinte citação: “O mundo, dizia Heráclito, é um fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico a si mesmo, mas tudo se transforma no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, responsável pela ordem racional do universo. A nossa experiência sensorial percebe o mundo como se tudo fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada permanece. Para Heráclito tudo se torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição.” Em seus excertos o filósofo ainda avisou que os humanos devem sempre esperar e reencontrar o inesperado, pois “a incredulidade pura e simples denota um espírito obtuso e fechado ao enigma do mundo”.
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