A história de Dona M
Neiton de Paiva Neves
(Artigo publicado originalmente na Revista Evidência, edição Maio/2009):
"Manda quem pode, obedece quem tem juízo". Acho-me um cara que tem juízo, embora a respeito possa existir controvérsia.
Por isso, obedecendo a comando superior para que escreva a metade do que habitualmente escrevo nesta página, assim farei.
Só vou contar a história verídica do que aconteceu com Dona. M.
Há 10 anos, todos os meses, ela recebia a pensão deixada pelo falecido marido, no caixa da agência do banco "x".
Era conhecida do gentil funcionário do caixa, de vários outros e amiga das senhoras e senhores que, como ela, entravam na fila dos aposentados para receber a minguada pensão.
No início deste mês foi ao banco receber. Atendida com a habitual atenção, teve uma surpresa. O funcionário do caixa disse que não poderia lhe pagar a pensão porque, segundo constava no computador, ela tinha morrido. Estava mortinha.
Dona M., assustada, defendeu-se dizendo que estava muito viva, tanto que lá estava de corpo presente e os amigos e amigas da fila eram testemunhas.
O caixa foi enfático, afirmando que ela estava enganada porque o computador registrava que ela tinha mesmo empacotado.
Ela insistiu: - Mas como posso ter morrido se estou aqui, você me conhece, sempre me atendeu, está me vendo e conversando comigo.
-Sinto muito Dona. M., sua palavra, sua presença e sua agradável prosa, infelizmente, não valem mais do que diz o computador.
Já não sabendo mais se estava ou não neste mundo, Dona. M. ligou para seu filho, contou-lhe o que estava acontecendo, perguntou se estava mesmo viva e se ele poderia ir até ao banco.
O filho garantiu que ela estava viva e saudável e correu para o banco.
Lá chegando foi direto ao caixa e este reiterou que nada poderia fazer e só obedecia ao comando do computador.
Ele então pediu para falar com o chefe do caixa. O chefe do caixa olhou no computador, refletiu, e, dizendo que o caso estava fora de sua alçada, confirmou que Dona. M. havia mesmo partido desta para melhor e não tinha mais direito de receber a pensão.
Com muito custo, filho e mãe conseguiram falar com o gerente da agência. O gerente consultou o computador e confirmou que Dona M. tinha mesmo morrido, mas, como a conhecia, "iria lhe estar ajudando", afirmando:
- Fique calma, “vou estar tentando” resolver o problema.
Ligou para o superintendente regional, para o diretor de informática, para os diretores disso e daquilo, e, finalmente, depois de hora e meia, disse à Dona. M. que tinha uma boa notícia: foi constado um engano e ela estava mesmo viva, não tinha morrido. Deu nela um sorridente abraço de parabéns, no caixa uma esculhambada e mandou-lhe pagar a pensão à Dona M., que recebeu seu dinheirinho, ainda está sem entender o que aconteceu e com receio de ser morta novamente quando voltar ao banco no próximo mês. Por via das dúvidas, já pediu ao filho que a acompanhasse.
(Artigo publicado originalmente na Revista Evidência, edição Maio/2009):
"Manda quem pode, obedece quem tem juízo". Acho-me um cara que tem juízo, embora a respeito possa existir controvérsia.
Por isso, obedecendo a comando superior para que escreva a metade do que habitualmente escrevo nesta página, assim farei.
Só vou contar a história verídica do que aconteceu com Dona. M.
Há 10 anos, todos os meses, ela recebia a pensão deixada pelo falecido marido, no caixa da agência do banco "x".
Era conhecida do gentil funcionário do caixa, de vários outros e amiga das senhoras e senhores que, como ela, entravam na fila dos aposentados para receber a minguada pensão.
No início deste mês foi ao banco receber. Atendida com a habitual atenção, teve uma surpresa. O funcionário do caixa disse que não poderia lhe pagar a pensão porque, segundo constava no computador, ela tinha morrido. Estava mortinha.
Dona M., assustada, defendeu-se dizendo que estava muito viva, tanto que lá estava de corpo presente e os amigos e amigas da fila eram testemunhas.
O caixa foi enfático, afirmando que ela estava enganada porque o computador registrava que ela tinha mesmo empacotado.
Ela insistiu: - Mas como posso ter morrido se estou aqui, você me conhece, sempre me atendeu, está me vendo e conversando comigo.
-Sinto muito Dona. M., sua palavra, sua presença e sua agradável prosa, infelizmente, não valem mais do que diz o computador.
Já não sabendo mais se estava ou não neste mundo, Dona. M. ligou para seu filho, contou-lhe o que estava acontecendo, perguntou se estava mesmo viva e se ele poderia ir até ao banco.
O filho garantiu que ela estava viva e saudável e correu para o banco.
Lá chegando foi direto ao caixa e este reiterou que nada poderia fazer e só obedecia ao comando do computador.
Ele então pediu para falar com o chefe do caixa. O chefe do caixa olhou no computador, refletiu, e, dizendo que o caso estava fora de sua alçada, confirmou que Dona. M. havia mesmo partido desta para melhor e não tinha mais direito de receber a pensão.
Com muito custo, filho e mãe conseguiram falar com o gerente da agência. O gerente consultou o computador e confirmou que Dona M. tinha mesmo morrido, mas, como a conhecia, "iria lhe estar ajudando", afirmando:
- Fique calma, “vou estar tentando” resolver o problema.
Ligou para o superintendente regional, para o diretor de informática, para os diretores disso e daquilo, e, finalmente, depois de hora e meia, disse à Dona. M. que tinha uma boa notícia: foi constado um engano e ela estava mesmo viva, não tinha morrido. Deu nela um sorridente abraço de parabéns, no caixa uma esculhambada e mandou-lhe pagar a pensão à Dona M., que recebeu seu dinheirinho, ainda está sem entender o que aconteceu e com receio de ser morta novamente quando voltar ao banco no próximo mês. Por via das dúvidas, já pediu ao filho que a acompanhasse.
Essa história mostra que a qualquer momento alugém pode nos apagar da vida por algumas horas. E nesse mundo onde a comunicação virtual é impessoal temos que ficar confirmando tudo antes de afirmar qualquer coisa. Essa da pensionista e outras vinculadas ao serviço público pode estar com os dias contados depois da interligação dos sistemas com os cartórios que emitem certidões de óbito. Mas a repercussão de mortes falsas de pessoas de notoriedade pública continuará comum. Vejam que em 23/05/2009, segundo a Folha Online, um grupo de piratas virtuais invadiu um site de noticias e informaram falsamente que o dono do SBT, o apresentador Silvio Santos, 78, havia morrido na última sexta-feira. A notícia, no site "O Fuxico", de Ester Rocha, assessora de Gugu Liberato, informava que o apresentador havia passado mal durante uma gravação do quadro "Pergunte a Maisa", que não será mais veiculado no "Programa Silvio Santos" por decisão judicial. O apresentador, segundo a nota, teria sido atendido no hospital Albert Einstein. A nota estava no site por volta de 22h, com horário aproximado de 20h30. A assessoria de imprensa do SBT negou o fato e informou que Silvio Santos se encontra nos Estados Unidos, de onde deve voltar apenas na próxima semana.
ResponderExcluirNatal
O fato ocorrido não é tão inusitado no nosso mundo de hoje regido pela virtualidade, o que me assusta realmente é a atitude tanto do caixa como do chefe do mesmo, demonstra um total despreparo para a função. O caso deveria ter sido resolvido internamente sem expor a coitada a comentários com tanta falta de profissionalismo. É vergonhoso.
ResponderExcluirQuase que a Senhora ficou na maior M. Tem uma estória de um oficial médico e um cabo num campo de batalha separando à esquerda os mortos e à direita os feridos. O médico indicava como morto e o cabo colocava o cadáver na esquerda... O médico indicava um ferido e o cabo colocava o vivo ferido à direita... Um soldado foi indicado como morto e o cabo o arrastava para o lado dos falecidos quando o soldado revela que estava vivo, mas o cabo, muito eficiente, responde-lhe: - Quem é você pra querer saber mais que o médico?
ResponderExcluirAinda bem que a Dona M. sobreviveu à incompetência do sistema.
ResponderExcluirConvém lembrar que o tal de sistema é uma expressão criada para receber as culpas das falhas humanas. Em bancos, além de corrermos o mesmo risco que a Dona M. correu, é comum ouvirmos que o dito cujo está fora do ar.
O engraçado (ou o pior?!) é que esses mesmos sistemas acabam permitindo a ocorrência de fraudes: pessoas muito vivas que continuam recebendo os benefícios devidos a pessoas mortas que, no sistema, continuam vivas.
A virtualidade e a complexidade das relações nesta fase da história acabam gerando situações absurdas. Assim, convém, antes de morrermos, deixar um recado comunicando dia e hora do nosso particular juízo final aos amigos virtuais arrolados nas extensas listas dos orkuts e msn's da vida.