Inocêncio Nóbrega: Que país é esse!
Inocêncio Nóbrega
Jornalista
inocnf@gmail.com
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Após fazer um giro por países da Europa, o santista brasileiro, José Bonifácio de Andrada e Silva, de volta a Portugal, onde este por 36 anos, é nomeado lente da Universidade de Coimbra. Posteriormente, por Decreto do Príncipe Regente, Intendente Geral das Minas do Reino. Nesse instante, havia recebido convite, do Príncipe Real da Dinamarca, a fim de ocupar semelhantes funções na Noruega. Essa, algumas das notícias que chegam ao Brasil, em 1801, a respeito do renomado cientista. Depois de muitas solicitações ele retorna ao nosso convívio, trazendo no seu currículo enorme cabedal de conhecimentos científicos, especialmente no ramo da mineralogia. Poliglota, manejava, com desenvoltura, seis línguas. Embora conservador nas ideias, iluminista que era, embora em terras lusas preocupava-se com os rumos que se queria imprimir à ainda colônia portuguesa nas Américas, em luta pela sua autonomia política. Não deixava de ser reformista, acreditando se criasse uma nação homogênea, respeitando-se a miscigenação, assimilando-se a cultura indígena, sem descurar-se de certo estágio da educação para todos. Em resumo, defendia que se buscasse a realidade brasileira, sem necessidade de importação de modelos políticos.
Assim, enxergando o Brasil uma massa bruta, com imensas potencialidades, colosso de material para um projeto nação, digno de si mesma, despede-se da metrópole em discurso que pronunciou na Academia Real de Ciências, perante seus colegas. Entre outros pontos disse ele: “É necessário apartar-me para longe e descontinuar as lições que de vós tenho recebido”. Refere-se, a seguir, à obrigação de Portugal para com “sua filha a emancipar-se, que precisa de luzes, conselhos e instruções”. E, concluindo: “Que país é esse, senhores, para uma nova civilização, o novo assento das ciências! Que terra para um grande e vasto Império!”.
A engenhosa expressão, cunhada pelo nosso Patriarca, entretanto, vem sendo deturbada por uma desinformada mídia, empregando-a pejorativamente. Sem ir ao fundo da história, o compositor Renato Russo (Renato Manfredini Junior), que se dizia admirador de Rousseau e Bertrand Russel, de Brasília onde residia lançou, em 1978, a canção “Que país é esse?”. Na primeira estrofe alude ao desrespeito à Constituição, levando à tona a sujeira que envolve o Senado, tal como nas favelas, e à bagunça, por falta de ordem, por todo o Brasil. A letra faz, também, críticas à americanização e enaltece o elemento indígena. Não há subjetividade no conteúdo, porém tantas vezes repete o título, fugindo ao sentido original, concebido pelo velho Andrada.
Se pragmática a frase, emitida no primeiro momento, não deixa de ser realística no segundo, com o plágio da titularidade e distorção de seus versos. Espaço de dois séculos entre ambas, o suficiente para o esquecimento de otimismo que tomava conta de nosso estadista, àquela época, para com um novo povo que ele, pessoalmente, ajudou, politicamente, a se organizar. Sua utopia, tão bem exposta a uma plateia de cientistas, em Lisboa, pouco foi respeitada na evolução histórica do Brasil, Império ou República. Coligação dos três Poderes constituídos levou um terceiro paulista, através de golpe de estado, ao Palácio do Planalto, dessa forma traindo os princípios e sonhos bonifacistas, os quais apostavam no conjunto e manutenção de nossas riquezas, capacidade e amor filial dos filhos da nova Pátria, o bastante para torná-la pujante diante do mundo. A Revolução de 30 despachou um destes, Júlio Prestes. Prognóstico cada vez mais distante de acontecer.
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