Vozes gaúchas
Inocêncio Nóbrega (*)
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Janio Quadros, pressionado pela banda larga udenista, renunciou ao mandato, a 25.08.1961. Ato político normal, não fora o veto dos ministros militares à posse do vice-presidente João Goulart. Sem previrem o grito de rebeldia dos patriotas gaúchos e do III Exército. Uma guerra civil estava iminente. Uma terceira força entra nessa cena, a do rádio. Requisitados, pelo governo, os cristais das rádios Farroupilha e Guaíba instalam-se nos porões do Palácio Piratini, nascendo a Cadeia da Legalidade. Diante de seus microfones se revezam jornalistas, políticos, sindicalistas. Na chefia das operações está o radialista Hamilton Chaves; na locução oficial, pois se oferecera, voluntariamente, para integrar o grupo, Lauro Hagemann, aquele mesmo, do repórter Esso do Rio Grande do Sul.
É ele quem anuncia o pronunciamento de Leonel Brizola, ante a iminência de bombardeio da sede do Governo: “...não nos submeteremos a nenhum golpe e a nenhuma resolução arbitrária. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem neste Palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura, contra a vontade de seu povo”! A fala, intrépida de um se mistura à voz firme e inconfundível do testemunho ocular da história, eletrizando a população brasileira e de países vizinhos, a ponto de 103 emissoras retransmitirem as pregações cívicas, desde os estúdios apinhados de colegas de várias partes do mundo. “Ici, la radio de la legalité”; anunciava um deles, cada qual repetindo no seu idioma a vinheta em português, na dicção de Hagemann: “Aqui, a Cadeia da Legalidade”!. O jorn. Flávio Tavares estava lá, distribuindo matérias, para as agências internacionais de notícia.
Porém – desígnios da natureza – essas vozes se calaram. Nascido em Santa Cruz do Sul (RS), filho de alemães, Lauro Hagemann faleceu, aos 84 anos de idade, na noite desse dia 10, no hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre, onde esteve internado por 15 dias. Sua vida foi marcada, também, pela política. Eleito vereador, para a Câmara Municipal da capital sul-riograndense, por cinco vezes, tornando-se o primeiro representante comunista nessa Casa. No rádiojornalismo iniciou-se em 1946, na sua cidade natal, sendo convidado trabalhar na recém inaugurada Rádio Santa Cruz. Por três meses, foi locutor da Rádio Progresso, de Novo Hamburgo, saindo para submeter a concurso para “Repórter Esso”, da R. Farroupilha, em cuja função passou 14 anos, até a extinção do noticioso. Cursou o Jornalismo, havendo militado na política universitária. O profissionalismo fê-lo noticiar coisas adversas à Campanha do Petróleo é Nosso, assim contrariando seus princípios ideológicos, vez que o programa era chancelado por essa multinacional. Vozes como essas ainda ecoam, num Brasil de aspirações golpistas.
(*) Inocêncio Nóbrega Filho é jornalista e escritor
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