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Uma noite em 1967

Neiton de Paiva Neves

1967. Governo duro, autoritário, ditatorial. Naquele ano,  o presidente da República, marechal Castelo Branco, implantou a Lei de Imprensa, impondo a censura prévia, feita por agentes federais, nas redações de revistas e jornais, emissoras de rádio e televisão, e promulgou a Lei de Segurança Nacional, feroz contra quem pensava diferente do pensamento oficial.

A todo poderosa Rede Globo estava engatinhando, com favores oficiais e financiada com recursos oriundos do exterior, através do famoso “acordo Time-Life”, e a grande emissora de televisão, líder absoluta de audiência, era a TV Record (atual Rede Record, hoje do Bispo Edir Macedo).   

Um dos maiores êxitos da TV Record foi o Festival de Música Popular Brasileira, que teve quatro edições, de 1965 a 1969. O III Festival, em 1967, conhecido como o “festival da virada”, é a síntese dos anteriores e até daqueles vieram depois.
   
Dele saíram, definitivamente consagradas,  personalidades marcantes como Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edú Lobo e outros, responsáveis pelo gênero conhecido por MPB, Música Popular Brasileira, que absorveu a Bossa Nova, agregou temas folclóricos vinculados à  música brasileira de raiz, e, com forte conteúdo de nacionalidade, transformou-se em instrumento de luta contra o regime militar.

Paralelamente, outros movimentos musicais nascidos na época, como a Jovem Guarda e a Tropicália, também se firmaram como contraponto ou incorporação no curso do processo criativo, dinâmico e em ebulição.

Acabo de ler “Uma noite em 67”, escrito por Renato Terra e Ricardo Calil, lançado em fevereiro passado pela Editora Planeta (encontrado nas livrarias), o que me levou a rever o documentário com o mesmo título e do qual também eles são os autores (lançado em 2010 e disponível no YouTube), imperdíveis e preciosos registros dos Festivais, principalmente da final do III Festival, na noite de 21 de outubro, no antigo Teatro Paramount (depois Teatro Abril e hoje Teatro Renault), que tive o privilégio de acompanhar pela transmissão ao vivo da TV Record.

“Nesse festival apareceu a semente do Tropicalismo, quando Gil e Caetano romperam com a MPB tradicional, colocando as guitarras elétricas”, lembra. “Com Roda Viva, Chico Buarque partiu para algo mais denso, e com Ponteio Edu Lobo chegou ao seu ápice. Ali surgiu a MPB sofisticada e diversificada que perdura até hoje” (Renato Terra).

O poeta Ferreira Gullar, sobre a era dos festivais, disse: “são anos que o pessoal diz que são de chumbo, mas em alguns momentos foram anos de ouro”.

“O livro é um raio x tanto dos anos de chumbo quanto dos de ouro ao contextualizar a realização do festival no período em que, com mão de ferro, os militares governavam o país”. (Renato Terra e Ricardo Calil).

“Buscamos fazer um caleidoscópio daquela época, juntando 60% de artistas que participaram do festival e outros 40% de observadores privilegiados daquele momento histórico”, comenta Ricardo Calil.

Os entrevistados, a que ele se refere são,  no filme e/ou no livro, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nana Caymmi, Nelson Motta, Jair Rodrigues, Edu Lobo, MPB4, Ferreira Gullar, Zuza Homem de Mello, Paulinho Machado de Carvalho, Sérgio Ricardo, Marília Medalha, Capinan, Chico de Assis e Júlio Medaglia e outros.

Nelson Mota acrescenta: “eram as pessoas certas, na hora certa, no lugar certo. Foi uma conspiração a favor, como dizia o psicanalista Hélio Pelegrino. O momento do mundo, o momento do Brasil, o momento de vida dessa geração excepcional, que não se sabia ainda que era tão excepcional assim. A cultura estava fervilhando no Brasil, a música popular também, esse momento esfuziante de criatividade da música brasileira, de novidade, de experimentação, pegou essa geração de artistas, criadores, muito talentosos. E, graças a Deus, de estilos muito diferentes entre si, de origens e escolas muito diferentes. Isso forneceu uma riqueza, uma diversidade também a esse momento”.

Recorri às opiniões acima, muito mais respeitáveis e embasadas, na esperança de que o leitor se motive a assistir ao documentário e/ou a ler o livro, para ter uma ideia melhor de tudo, e não foi pouco, o que aconteceu antes, naquela noite e depois.

(Artigo publicado originalmente na revista Evidência, Araguari, maio/2013)

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