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Essa não!

Marília Alves Cunha

Passava das nove da noite e Dona Josina descia a rua, equilibrando-se entre os buracos que a chuva forte enchera de água enlameada. Que vida, Deus! Começara o dia bem cedo, dando suas aulas de História, varando manhã, tarde e parte da noite tentando que os alunos aprendessem que a matéria, mais que decorada, deveria ser entendida. Dona Josina adora História, gosta de andar por suas trilhas descobrindo o encadeamento dos fatos que ligam o passado ao presente e até ao futuro. Pensativa, bolsa desbotada amarrada contra o peito que as sombras fugidias escondem segredos, a professora ligou-se ao que anda acontecendo neste  Brasil lindo e fagueiro. Violência, que atenta contra as pessoas e as instituições, nem é bom pensar! Cada um se protege como pode, mas a marginália anda sempre à frente, descobrindo meios de quebrar barreiras. Um político disse certa vez na TV que os bandidos são mais inteligentes. A professora acredita não. Acha sim, que dispõem de mais tempo para artimanhar maldades e realizar intentos criminosos. Afinal, esta é a sua profissão. E a tal da impunidade e leis cada vez mais generosas para aqueles que as desprezam fortalecem a lógica do “espaço é pouco nos presídios, lugar de bandido é na rua”. E não se fala mais nisto. Parece até aquela história do distinto senhor que, defrontando-se com a traição de sua distinta esposa no sofá da sala, achou por bem desprezar o sofá... Ah! Fosse no Japão, pensou D. Josina, tudo seria diferente... Agarrou-se com cuidados à bolsa desbotada, que sombras fugidias escondem segredos...

     Continuou a divagar. O seu patriotismo e fé na Pátria estavam tomados de sonolência com as notícias que enchem as páginas dos jornais, os programas de TV e fazem parecer que uma máfia apoderou-se deste nosso Brasil gigante. Ministros, diretores, funcionários públicos vão caindo um após outro em efeito dominó e o dinheiro suado do povo voeja rápido para mãos inescrupulosas. Será quantas “babás” serão necessárias para vigiar, espreitar, proteger o erário público? Quando é que os brasileiros terão o prazer e a honra de descobrir que não pagam impostos inutilmente?  Quando será que a nossa confiança deixará de ser abalada, como tem sido atualmente, por escândalos que se sobrepõem e parecem não ter fim? 

     De repente, um susto! Dona Josina respirou fundo, ouviu passos às suas costas. Apressou-se. Os passos também. Até que segura pelos braços não teve mais o que fazer. Abaixou a cabeça, deitou o olhar, humilde e vencida. Súbito, um brilho relampejou nos olhos de um dos moleques que a segurava, olhos até então gelados, sem medo, sem piedade. Com um cutucão no companheiro resumiu a prosa: “Epa! Essa não. Foi minha professora na 6ª série, tá ligado, veio?” Saíram os dois correndo, sem perpetrar o roubo. A respiração de D. Josina voltou devagar e ela, agarrada à bolsa, caminhou rápido rumo a casa. Pensou aliviada: Ser reconhecida como professora numa hora destas é tudo de bom!

     Qualquer semelhança com fato verídico é pura realidade, pelo menos na parte que toca ao quase assalto.  E seria bom que os professores e educadores fossem respeitados e valorizados por quem de direito. O caminho para um país melhor, mais justo e respeitável não se constrói sem grandes investimentos na educação.

3 comentários:

  1. Bela narrativa, porém sei que bandido não se lembra nem de quem seja a mãe quanto mais uma professora de história.

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  2. Dona Josina teve sorte nesse caso, mas ela continua sendo roubada pelas poderosas mãos de outros seus ex-alunos cuja assinatura agora tem o poder de depauperar escolas, hospitais, delegacias, sem falar do seu salário, e desviar os recursos necessários para tapar os buracos da rua que a chuva encheu de água enlameada naquela noite... mas esses seus ex-alunos tem astúcia para não cometer o deslize de revelar suas faces, protegidos por um sistema que dilui responsabilidades com vários inocentes. Assim o erário se mistura com o privado, por tênue divisão, e o ladrão não vê o rosto da professora para lhe constranger... e o dele não será visto pela professora que fez o bem e já não sabe a quem...

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  3. Aristeu,

    este, por incrível que pareça lembrou-se da professora da 6a série, por incrível que pareça. Este fato foi verídico, contado por uma professora de BH.Acredito até que alguns bandidos possam se lembrar mais da professora do que da mãe...
    Marília

    Marília

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