Onde está a cidadania?

Era um dia chuvoso, daqueles que dá vontade de ficar quietinha, embrulhada nas cobertas, sem absolutamente nada para fazer. Mas o dever chamava e saí de casa para resolver minhas questões do dia. O primeiro destino foi o supermercado. Feitas as compras, dirigi-me ao Caixa para pagar. – “Não estamos aceitando cheque” – disse a mocinha do Caixa. Passei por certo constrangimento, pois sempre achei que cheque valia dinheiro. – “Ou você aceita o meu dinheiro ou terei que devolver as compras” – respondi resignada. A fila impaciente, estacionada atrás da minha pessoa. A mocinha sumiu para dentro do estabelecimento e voltou , algum tempo depois, dizendo que precisava fazer um cadastro. Eu cada vez mais constrangida e a fila atrás de mim começando a diminuir, pelo desânimo da espera. Depois de muito nhem,nhem,nhem, o assunto foi resolvido. Viva! Viva!
Encaminhei-me ao banco onde sou cliente, para fazer um depósito. Quando fui passar pela porta giratória, a mesma travou. O guarda pediu que eu voltasse para trás da faixa amarela e esvaziasse a bolsa. Tirei o celular, as chaves do carro, batom e tentei passar outra vez. De novo, a porta travou. O guarda olhou-me com cara de poucos amigos e pediu que eu esvaziasse a bolsa. Tirei mais alguns pertences (é inimaginável o que uma mulher imprescindivelmente tem que carregar...) e passei pela geringonça, sentindo-me vitoriosa, quase como se tivesse sido perdoada de um crime ou salva por milagre divino. Sendo daquela idade que dizem ser a melhor (para animar a galera) procurei a fila adequada dentro do banco. A fila estava enorme, muito maior que a fila dos mortais comuns, aliado a isto o fato de que as pessoas mais velhas geralmente são mais lentas e evidentemente gastam mais tempo no atendimento. Que prioridade é esta? Apelei para a reclamação, incitei uma revolução entre os colegas idosos. Tudo em vão.
Desisti do banco, ansiosa para voltar ao abrigo dos meus livros, revistas, som, computador, teto. Sem excesso de saudosismo ou melancolia lembrei-me dos velhos tempos, tempos de meus avôs e pais, no qual os contratos eram firmados no fio da barba e a palavra empenhada absolutamente respeitada. Céus! Parece que mudamos de planeta...
A vida é assim! Quem se comporta direitinho tentando ser um cidadão razoável, sofre demais neste país onde a ilegalidade anda solta. Depois destes acontecimentos do dia, cheguei à conclusão de que todo brasileiro de boa fé é culpado por presunção, até que se prove o contrário. E pior, maus exemplos caem lá do alto, em profusão, em nossas mãos. E tudo acontece debaixo da capa de legitimidade. Pobre nação, vai aturar campanha eleitoral extemporânea durante muito tempo... Pensando bem, sinto que todos os brasileiros de má fé são considerados inocentes, por presunção, até que se prove o contrário. E a cidadania, o espaço sagrado de direitos e deveres, onde fica?
Sinceramente, a Marília é muito azarada: sempre está onde ocorre assaltos, filas compridas, portas eletrônicas que não abrem... Eita Urucubaca. É puro azar que a ronda, pois meu Brasil não é assim não... mesmo.
ResponderExcluirSinceramente, a Marília é muito azarada: sempre está onde ocorre assaltos, filas compridas, portas eletrônicas que não abrem... Eita Urucubaca. É puro azar que a ronda, pois meu Brasil não é assim não... mesmo.
ResponderExcluirPrezado Aristeu,
ResponderExcluirvocê é mesmo uma pessoa sortuda, por viver num Brasil onde nada acontece...Você acha que eu devo arranjar uma benzedeira ou mudar para o "seu" Brasil?
Marília, foi ironia de minha parte. Enfrento os mesmos desgostos seus. Agora, no meu mundo de faz de conta, onde eu dito as regras, você será feliz. Dê um passeio no meu Blog www.palavrasemendadas.blogspot.com
ResponderExcluirMarília,
ResponderExcluirVocê é o protótipo do cotidiano da civilização moderna nesse percurso que você descreveu. Com o devido respeito, mas aproveito me permitindo uma oportuna paródia: você está mais para o mar do que para a ilha (mar+ilia). Explico pela ordem desde o início do seu dia: o cartão de crédito virou passaporte no mundo todo e cheque é demorado o controle da conferência do crédito do cliente pelos estabelecimentos comerciais, máxime se o atendimento for para grandes quantidades de pessoas. Quando você chega a um hotel no Brasil ou no exterior exigirão de você um cartão de crédito como garantia prévia. Quanto ao uso de porta de segurança giratória com detector de metais, além de imposição legal, é ônus suportado pela coletividade em prol da segurança comum. Se o banco, por seus prepostos, não procede de forma abusiva ou vexatória contra o usuário na operação do sistema, não comete ato ilícito caracterizador de dano moral. Ademais disso e não obstante, embora a providencia do banco esteja respaldada em lei, impõe-se ao preposto que atua como vigilante o dever de agir com diligência, reduzindo ao máximo o período de revista, especialmente quando há indícios concretos de que, diante da revista, o livre trânsito do cliente no banco não oferece qualquer periculosidade. Isso é resumo de decisões judiciais. Portanto, o seu desconforto momentâneo é um sacrifício de cidadão preocupado com os assaltos que fazem vítimas, etc. A própria sociedade exigiu essa rotina aos responsáveis pela segurança. Quanto às filas, é um fenômeno mundial causado pela explosão demográfica, mas os bancos ao providenciarem sistemas de informática e serviços por internet reduziram muito as filas. Dessa forma eu passo muitos meses sem entrar em filas e tenho muitas contas para pagar, seja utilizando os débitos automáticos ou pagando via internet. Quanto aos contratos, hoje os bancos são altamente detalhistas na previsão de suas garantias de retorno dos seus créditos e direitos. Enfim, o mundo mudou e para vivermos temos mais regras a serem observadas quando saímos da nossa casa, estamos competindo com mais gente para poder viver. Mas entendo que mesmo assim as regras incômodas que nos impõem são cidadãs, exigidas pelos cidadãos de modo que mais pessoas possam compartilhar de recursos cada vez mais escassos, tais como menos equipamentos e gente para atendimento, exigindo mais recursos dos governos e das empresas para dar respostas a mais gente cobrando legalmente seus direitos. Mas creia-me que temos muitas compensações nesse mundo moderno: somos meio robôs cibernéticos, especialmente quando usamos controles remotos para ligar a televisão, o carro, as luzes de casa, etc. Mas e por via das dúvidas jamais todo o mundo incômodo vai nos livrar do nosso dever bíblico: “orai e vigiai”!
Natal
Marília, permita-me, neste momento solene, pela admiração que sinto por esta cronista, cravar meu comentário número CEM no Blog do Aloísio, afinal o Blog dele é Sem Comentários.
ResponderExcluirO Natal deve te ter deixado tão vermelha e "inchada" que eu acho que você está mais pra Cunha do que Alves, mas o conselho dele é bastante válido e atemporal, apesar de que já não importam tanto com o Cristo, muito menos com o Natal!