Header Ads

Araguari, berço do futebol feminino no Brasil

Primeiro artigo de repercussão nacional sobre o futebol feminino no Brasil

(*) Teresa Cristina de Paiva Montes Cunha:

Com o título “Glamour usa chuteiras”, o futebol feminino começou a ser conhecido a nível nacional, no dia 28 de fevereiro de 1959. A revista “O Cruzeiro” era distribuída em todo território nacional.

A revista “O Cruzeiro” foi criada no final de 1928, no Rio de Janeiro. Uma revista aberta a novas possibilidades de leitura. A leitura da imagem ganhou destaque na cena do jornalismo, com a criação deste novo periódico. Foi em 10 de novembro de 1928 a primeira publicação. Cinco dias antes, 4 milhões de folhetos – um número três vezes maior do que o de habitantes da cidade – foram atirados do alto dos prédios na cabeça de quem passa na então Avenida Central. Os volantes anunciam o aparecimento de uma revista “contemporânea dos arranha-céus”, uma revista semanal colorida que “tudo sabe, tudo vê”. Os panfletos traziam no verso anúncios que serão veiculados pela nova publicação. A revista foi editada ininterruptamente entre 1943 à 1975.

Pouco meses depois de seu lançamento, Cruzeiro torna-se a grande revista nacional. As estratégias adotadas para conquistar leitores são inúmeras: propõe manter contato direto com o público recebendo cartas em várias seções, como a jurídica, a médica a de “arquitetura doméstica”. Além disso, abusam das ilustrações, que dão o tom mesmo da revista. Distribuem prêmios variados. Instituem concursos os mais diversos para a participação do público.

Mas O Cruzeiro só se consolidaria no mercado editorial brasileiro na década de 30. Gradativamente o periódico, que apresentava fotografias acompanhando todos os artigos, reportagens, crônicas e seções variadas, foi conquistando leitores e leituras. Editada com 47 páginas, além de acrescentar o artigo o ao seu título original, começou a caminhada em direção à expansão que seria recorrente nas décadas seguintes.

A revista construiu, sem dúvida, um testemunho de uma época, reproduzindo, com o apoio sempre da fotografia, momentos que são apresentados como unívocos. Construiu-se dessa forma como produtores de uma história futura. E seus dirigentes e jornalistas sabiam desse papel.

Um dos registros da história, retratados pela Revista “O Cruzeiro” é do início do futebol feminino no Brasil. Abaixo segue na íntegra o que foi publicado na revista em 28 de fevereiro de 1959, das páginas 125 à 129.

“GLAMOUR” USA CHUTEIRASTexto de José Franco
Fotos de Eugênio Silva




Quando as moças entraram em campo, as bilheterias do estádio de Uberlândia assinalavam um recorde: 120 mil cruzeiros foi a arrecadação

Apesar da chuva que cai, o aficionado não arreda pé do Estádio Vasconcelos Montes. Os holofotes iluminam a cancha, quase já transformada numa piscina nesta noite de gala em Araguari, a capital do esporte do Triângulo Mineiro. A todo instante, os narradores esportivos das duas emissoras locais mandam para o ar seus comunicados, era anunciando o início do jogo, ora afirmando que a peleja será transferida para o dia seguinte. Paulo Nogueira Cruvinel, presidente do Araguari Atlético Clube, fica ainda mais indeciso quando a torcida impaciente o chama as falas.
- Como é, presidente, esse jogo sai ou não sai?

O presidente está de guarda-chuva e calças arregaçadas. Invoca o mau tempo. Aponta para uma nuvem que esvoaça logo acima das arquibancadas. Um torcedor exaltado não perde a vaza.

- Ora, presidente, esse nuvem não é de chuva não. É fumaça dos foguetes.


Nem tudo é pó de arroz, ou frágeis gestos femininos, de vez em quando a botinada aparece, não escapando nem mesmo o juiz.

De calção e chuteira elas posam com autênticas campeãs.


A goleira em posição pouco acadêmica, mas os cabelos são lindos.

As vezes a bola ri por último e o chute não vai além da trave.
Pó de arroz e batom na marca do “penalty”



.
Começa, por fim, a partida principal da noite, reunindo as equipes do Araguari e Fluminense, os dois quadros rivais da terra. Mas a assistência, em unisseno, manifesta seu completo descontentamento. Eis que havia ido a campo, sobretudo, para ver a preliminar. Dado o estado pesado da cancha, o futebol feminino não pode se exibir desta vez. Ficou decidido que o time de moças jogaria dois dias depois, em Uberlândia, cidade vizinha. Parece curioso, mas a verdade é que bom número de jovens, e jovens formosas, pratica esse esporte em Araguari. Futebol autêntico, com chuteiras, meias, calção, camisa. Juiz e “bandeirinhas”. São de “amargar” as filhas de Eva; em pouco tempo dessa interessante experiência, já aprenderam a driblar, marcar gol e... brigar com o juiz. Se o árbitro não atua com cuidado, as que se julgam prejudicadas com trilo marcando impedimento não deixam para depois: reúnem-se, param o jogo, até que o juiz dê as devidas explicações. Estrearam numa quarta-feira antes do Natal. O futebol masculino não estava mais atraindo o público. Houve, então, a necessidade de se cogitar de um espetáculo que pudesse oferecer atração e êxito de bilheteria. Surgiu a idéia do time de moças. Convocadas pelo rádio, quatro dezenas de jovens compareceram, dispostas a colaborar. Ney Montes, o mais popular dos esportistas de Araguari, movimentou a “Terezinha”, sua velha ramona de 1928. Rodou com o velho automóvel toda a cidade. A idéia pegou e hoje já é realidade: as moças deram o espetáculo, gostaram do futebol e quiseram continuar. Agora, quase três times estão formados, só de moças – de 14 a 20 anos de idade. E como são aplaudidas!

No domingo, a “Terezinha” de Ney Montes rodou para Uberlândia, com os repórteres de “O Cruzeiro” a bordo. Os quadros femininos do Araguari fizeram uma exibição máscula: moroso, o jogo, mas futebol vistoso, que atrai pela grande vibração. As arquibancadas por pouco não vem abaixo. O tempo estava de cara feia, marcando chuva. Mas o espetáculo constituiu o maior sucesso dos últimos tempos, superando em arrecadação (120 mil cruzeiros), o último jogo, quando os uberlandenses receberam a visita do Botafogo carioca, que trazia, na sua equipe, Garrincha e Didi e toda a sua fama de Campeões do Mundo.

(*) Teresa Cristina de Paiva Montes Cunha
Pesquisadora – Uberlândia – Minas Gerais
e-mail: teresacriscunha@hotmail.com

Nenhum comentário

Os comentários neste blog passam por moderação, o que confere
ao editor o direito de publicá-los ou não.