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Privilégio. Crônica do João Costa

Tenho um amigo que tem o privilégio de curtir o pôr do sol todas as tardes confortavelmente sentado em sua varanda. E até mesmo da janela de sua sala. Sempre que o visito, faço questão de ser à tarde, para me deliciar desse acontecimento especial, mas tão comum para esse meu amigo. Quando estive na casa dele pela primeira vez, não me contive. Parabenizei-o e comentei: “Que privilégio, hein, um pôr do sol particular!” Ele simplesmente me respondeu: “É isso todas as tardes.” 

Tempo depois, em casa, despreocupadamente sentado em meu sofá, numa dessas noites de céu límpido, vejo a lua cheia, deslumbrante, emoldurada por minha janela. Era uma pintura espetacular. A lua, enorme, se erguendo no horizonte. Ali, no centro de minha janela. E eu fiquei, boquiaberto, contemplando aquele acontecimento. Era a primeira vez que eu via, ou melhor, que eu percebia aquele quadro maravilhoso. Era um acontecimento rotineiro, de todo plenilúnio, mas era a primeira vez que eu o percebia. Naquele momento, me lembrei da casa do meu amigo, do seu pôr do sol particular, e sorri orgulhoso. Eu também era privilegiado, tinha meu plenilúnio particular. Fotografei a bela imagem e enviei para ele, com a seguinte mensagem: “Meu luar particular, visto de minha janela, não deixa nada a desejar em relação ao seu pôr do sol. Somos dois privilegiados.”

Uma amiga, certa vez, me confessou que tinha uma goiabeira junto à sua janela. Disse orgulhosa que quando a árvore estava carregada de frutas, ela podia simplesmente esticar o braço e colher quantas quisesse, dali mesmo de sua janela. Privilégio de poucos, claro. 

Mas a vida é assim, sempre nos oferecendo momentos e acontecimentos especiais, que interpretamos como privilégios. O que acontece, na verdade, é que nem sempre estamos atentos o suficiente para perceber esses momentos e acontecimentos espaciais. Estamos sempre muito ocupados, desatentos. E também, por serem, muitas vezes, esses acontecimentos tão simples, tão rotineiros, nossa atenção, viciada pelos afazeres do dia a dia, pela azáfama cotidiana, pela correria advinda de nossas atividades, não percebe. Nosso olhar não capta a poesia da vida se desenrolando o tempo todo a nosso redor. Como perdemos e o quanto perdemos da vida por isso. Que pena!

De repente, de nossa janela, podemos contemplar acontecimentos excepcionais. Caminhando pelas ruas, indo ou vindo do trabalho, no carro, no ônibus, no metrô, de moto ou bicicleta, ou mesmo parados em alguma esquina, sentados à mesa de um bar, no restaurante, em qualquer lugar, sempre um acontecimento celebra a vida, mesmo não sendo percebido pelos nossos sentidos, ocupados com, de repente, o menos importante, o nada significante. A poesia da vida só é percebida pelos sentidos hiper sensíveis dos poetas. Mas, são tão poucos os poetas de plantão. Então a vida, às vezes, se entristece e promove algum acontecimento triste, trágico, que logo todos percebem, lamentam e criticam. 

Num curso de Terapia Floral que fiz, certa vez, houve uma tarefa para a semana, que consistia em fotografar as flores existentes pela cidade, nas calçadas, nos terrenos baldios, nos muros, em qualquer lugar que houvessem. Foi uma experiência maravilhosa, surpreendente. Nunca imaginei que havia tantas flores pela cidade, pelos caminhos que eu faço todos os dias, pelas ruas que caminho com tanta frequência, e nunca tinha percebido. Flores de diversas cores e tamanhos, de belezas diversas, adornando as calçadas, os muros, as janelas, os terrenos baldios, medrando entre as pedras, em nossa selva de concreto. O resultado dessa experiência foi um álbum que apresentei na aula seguinte, com meus comentários. E como aprendi com essa tarefa, como foi significativa essa experiência. 

Foi a partir dessa experiência que eu percebi o quanto perdemos da vida por conta de nossa desatenção, nossas ocupações, nossa pressa, nosso desespero, nossos estresses constantes, nossa impaciência. Como isso nos impede de ver a vida como ela é, bela, deslumbrante e feliz. Como tudo isso nos cega, nos impede de apreciar os instantes mágicos da vida, como as belezas naturais, os acontecimentos singelos, as coisas mais simples e comuns como sorrisos, olhares, gestos, o tremular de uma folhagem ao vento, um passarinho piando num galho qualquer de uma árvore qualquer num bosque qualquer. 

Somos todos privilegiados e não percebemos o quanto. A começar por estarmos vivos. Quer privilégio maior? Estamos vivos, conscientes de nossa existência. Podemos ver, ouvir, sentir, perceber, falar, cantar, gritar. Cada dia vivido é um prêmio, um privilégio, um acontecimento especial, espetacular. E além desse privilégio de viver, ainda somos surpreendidos por outros privilégios especiais quando prestamos mais atenção aos acontecimentos em nosso dia a dia, quando estamos atentos, perceptivos.
E diante de tantos privilégios, que tenhamos a dignidade de agradecer. Agradecer de coração, com a alma em festa. E celebrar o privilégio maior de existir e poder perceber o quanto a vida é generosa.

(*) João Costa é natural de Monerat, Distrito de Duas Barras - RJ. É jornalista e sempre militou na área de comunicação, começando em rádio, em Nova Friburgo. No Rio, trabalhou em diversas emissoras, tais como Rádio América da Guanabara, Manchete FM e Alvorada FM. Morou em Araguari, onde trabalhou na Rádio Alvorada FM e no Diário de Araguari. Reside em Saquarema - RJ, onde edita um jornal alternativo de circulação regional. 




Um comentário:

  1. Obrigado, amigo Aloisio, pelo privilégio de ter minha crônica neste espaço do Portal de Araguari. Isso que é privilégio! Abraço.

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