Ingenuidade, por Inocêncio Nóbrega
Ulysses Guimarães e o texto consolidado da Constituição, em abril de 1988. Foto: Célio Azevedo |
Jornalista
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As sessões preparatórias à Primeira Assembleia Constituinte do Brasil aconteceram a 17.04.1823. No Rio de Janeiro estavam 53 dos 90 deputados provinciais, eleitos exclusivamente para essa missão. Bacharéis em direito, padres, médicos, militares e outros homens de cultura dela compunham, prontos para ratificarem a soberania nacional, sob liderança do revolucionário Antônio Carlos de Andrada, e presidência de Dom José Caetano da Silva Coutinho, Bispo da Capital. Entretanto, os trabalhos só foram oficialmente abertos a 3 de maio, e lá Pedro I se fez presente, quando, em tom de advertência, declarou: “Com a minha espada defenderei a Pátria, a Nação e a Constituição, se for digna do Brasil e de mim”. Recado dado, mas os constituintes insistiram na tese da limitação de poderes do monarca, já sabiamente de intenções absolutistas. O Príncipe Regente não gostou do assunto, resolveu dissolvê-la, nomear uma Comissão de Notáveis e outorgar a Constituição de 1824.
Ao contrário disse o Deputado Ulysses Guimarães, a 5.10.1988, ao promulgar a atual Carta Magna: “Esta é uma Constituição Cidadã”. Vindo de um atalho sua composição original deixou de ser exclusiva, dotada de pessoas de maior legitimidade e independência, estritamente escolhidas para esse mister, preferindo-se o elemento congressual, justamente aqueles portadores de mandato, em geral comprometidos com sua clientela eleitoral, bem distante da responsabilidade transformadora que o momento exigia. Não faltou quem a fraudasse, como o caso do jurista Nelson Jobim.
A Assembleia Nacional Constituinte de 1988, composta de 559 parlamentares, apesar de seus liames eleitorais pecou por detalhismo. Sem menor percepção de futuro, praticamente colou o Art. 53, da Constituição Federal de 1891, que trata do impedimento do Presidente da República. Não previu, por exemplo, uma Câmara de Deputados de 2016, presidida por um delinquente e repleta de indivíduos indiciados na Justiça, por corrução e diversos outros crimes. No Senado, o cenário é proporcionalmente igual, muitos de seus membros têm contas a pagar ao Judiciário, inclusive por tráfico de cocaína. A letra da lei estava adormecida, pouco se acreditando que o golpe estaria por vir. Criminosos se juntam aos éticos, num mesmo plenário, e se arvoram de julgadores, sem quaisquer preparos morais, de uma causa pétrea como é o afastamento de uma Presidente da República, sem infração criminal. Talvez, para atenderem a caprichos externos.
É flagrante a falha da Constituição, porém compreensivo, dada a característica laica da maioria de seus construtores, premidos pela desenvoltura do Centrão, cercada por lobistas do mundo financeiro e do agronegócio. Por não acompanhar os novos tempos as consequências de tal ingenuidade se fazem sentir nesses dias, decorrendo ondas de comentários hilariantes e desairosos,maculando nosso País. Diante desse quadro merecem serem relembradas as críticas do então ministro do STF, Sepúlveda Pertence, por ocasião do 10º aniversário de nossa Carta Magna: “O Brasil vive hoje uma Constituição com tantos problemas que tem vergonha de dizer seu nome”. Nesse Seminário de “Direito Constitucional” 72,3% da metade de seus participantes: desembargadores, juízes, promotores, defensores, advogados e alunos, comentaram que o Poder Judiciário não tem cumprido seu papel de dar efetividade à Constituição. O estrago à democracia está consumado, e são partícipes áulicos dos poderes republicanos. Nada mais resta a fazer-se, a não ser a impiedosa rotina de escrachar cada um dos malfeitores da vida pública. Enquanto isso, a presidente Dilma Rousseff segue injustiçada.
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