Cultura do golpe, por Inocêncio Nóbrega
Inocêncio Nóbrega
Jornalista - inocnf@gmail.com
Da pré-independência à moderna República contam-se, talvez, centenas de traições e atentados golpistas, conspiratórios, no Brasil, alguns deles guardando semelhanças com os ocorrentes nesses dois últimos séculos, incluindo os de natureza parlamentar. É o gene do povo latino, que nem a lei consegue contê-lo, pois assim age por impulso. Vejamos esses exemplares: de Portugal chega decreto das Cortes, impondo retorno de D. Pedro, agitando, politicamente, a cidade do Rio de Janeiro, em dezembro de 1821. Prontamente, patriotas e mídia carioca, não só criticaram a medida como encetaram campanha pela permanência do monarca, no que obtiveram amplo respaldo popular e aceitação do pedido. Divisão Auxiliadora, trazendo tropas portuguesas, pretendia retirar, pela força, o Príncipe Regente. Sua decisão de ficar irritou os invasores, os quais foram obrigados deixar as águas brasileiras. As consequências do “Fico” se sentiram na Bahia, primeiramente, onde governo local, fiel às Cortes de Lisboa, teve necessidade de ser combatido. Menos grave a situação em outras províncias, exceção feita a Minas Gerais, cuja capital era Vila Rica, onde ideias de tomar de assalto um governante, por vezes legítimo, se misturavam aos sentimentos de separatismo e de vindita.
No dia 9 de janeiro de 1822, D. Pedro, declara ao público: “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico.”. |
Os comandos do Regimento dos Dragões e da capitania montanhesa, brigadeiro José Maria Pinto Peixoto, assestaram um complô contra a Junta Provisória, presidida por D. Manuel de Portugal e Castro. Para tal ato contaram com a insubordinação de alguns membros da Junta e infidelidade do juiz da Comarca, Cassiano Espiridião de Melo Matos. O novo governo passou a manobrar contra as instituições reinantes na época, pregando separação do Brasil, no que comprometeria sua unidade territorial e o processo emancipacionista. A conselho do des. Teixeira de Vasconcelos (visconde de Caeté), D. Pedro viaja à terra de Aécio Neves, sendo bem recebido pelo seu povo e autoridades, os quais no final aquiescem a uma reconciliação, fundindo-se os projetos das duas partes.
Por mero capricho radicais paulistas se desentendem com os Andrada, na pessoa de Martim Francisco, irmão de José Bonifácio, membro da Junta Provincial de S. Paulo, acusado de orgulhoso e despótico. Conhecido por “Bernarda de Francisco Inácio”, pois foram eles Francisco Inácio de Souza Queiroz, Francisco Alves Ferreira do Amaral e o brigadeiro Joaquim José de Moraes Leme, quem tiveram o propósito de o destituírem das funções, atingindo o brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão. O general Carlos de Oeynhausen foi mantido no cargo de presidente da província de Michel Temer. A rebelião ocorreu em maio/1822, cujos desenlaces políticos foram resolvidos pela presença de D. Pedro, que para lá se deslocou em agosto, ocasionando, no dia sete, do mês seguinte, o Grito do Ipiranga.
Não acredito que a democracia que nós temos seja capaz de imprimir nova cultura à população, pondo fim esse tipo de cabalagem. Interesses externos se imiscuem a de grupos nacionais, de olhos gordos no poder, sobrepondo-se às soberanias do voto e do país. Da fragilidade moral de nossas instituições surgem o descrédito e a desconfiança. Do sistema eleitoral viciado, por sua vez, nascem nossos representantes, nada afins ao respeito à dignidade das urnas e ao estado democrático.
Deixe um comentário