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Sobre aviões, gente e lealdade.

José Roberto Peters (*)   

Vi umas tantas vezes o filme Casablanca e em todas torci para que a Ingrid Bergman (Ilsa Lund) não entrasse naquele avião para Lisboa com seu marido Paul Henreid (Victor Laszlo). Dá uma tristeza ver o Humphrey Bogart (Rick Blaine) e o Claude Rains (capitão Louis Renault) caminhando sozinhos naquele aeroporto enevoado. Hair assisti outras tantas vezes. E sempre torcendo para que John Savage (Claude) chegasse a tempo de entrar naquele avião para trocar de lugar com o Treat Williams (Berger).

Vivemos muitos paradoxos: esse é um dos meus. Einstein diria que eu não posso sempre fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes. Porém, sou humano, demasiado humano, como diria outro. O interessante é que muita gente com quem converso também torce como eu. Acho que é a torcida pela lealdade. 

A escritora britânica Agatha Christie tem um livro — Morte nas Nuvens (1935) — em que a aventura se passa num avião. Uma das passageiras é encontrada morta. Como uma pessoa é assassinada dentro de um avião, por um dardo arremessado de uma zarabatana, e ninguém percebe? A sorte é que no avião está o famoso detetive Hercule Poirot que resolve o mistério.

Bem, já que contei o final de dois filmes, conto o final do livro também: o assassino — um dos passageiros — entra no banheiro da aeronave, coloca uma roupa de comissário de bordo, atravessa o avião e mata a passageira. Na volta, deixa a zarabatana em baixo da poltrona do detetive, entra no banheiro, se veste de passageiro e vai tranqüilo para o seu lugar.

Espera aí! E ninguém viu? Não. E a escritora tem uma explicação: o assassino se vestiu de empregado e ninguém olha para um empregado. Eles são — e têm — de ser invisíveis. Há uma clara divisão de classes. E, na maioria de sua obra, empregado é empregado, e o será sempre. Patrão é patrão, e também assim será. Não se muda esse status.

A lealdade de Ilsa por Laszlo e a de Berger por Claude vai além vai além de suas condições. A moça abandona o amor pelo líder de uma revolução. Por um homem que está mais preocupado com a liberdade de muitos do que com a felicidade de uma só pessoa. 

Berger abandona toda a liberdade que tinha para que o amigo viva uns poucos momentos ao lado da mulher que irá deixar para ir ao Vietnã junto com negros, para matar amarelos e defender uma terra roubada pelos brancos aos vermelhos, como diz uma das frases do filme.

Lealdade é coisa de gente. Não de toda gente, é claro. Quem não gosta de ver uma pessoa — que era invisível até um tempo atrás —, entrando num avião, numa faculdade, comprando um carro, financiando uma casa ou passeando num shopping não é leal ao mais básico dos princípios da nossa constituição, que não precisava ser dita inteira. Basta “todos são iguais...”.

(*) José Roberto Peters – Mestre em Educação Científica e Tecnológica, professor universitário e consultor técnico da OPAS no Ministério da Saúde.

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