Livrai-nos do mal
Neiton de Paiva Neves (*)
(Artigo publicado originalmente na revista Evidência,
edição de dezembro de 2005)
Dispensando o Aurélio, Houais define que fofoca é o ‘ato ou efeito de fofocar; dito maldoso; mexerico; especulação; aquilo que é comentado em segredo sobre outrem’. Segundo ele, fofocar é “fazer fofoca, mexericar; bisbilhotar etc.’
‘Olha, estou vendendo pelo preço que comprei, não vi e não sei de nada, mas...’. Essa geralmente é a frase que anuncia a fofoca. Depois, vem o estrago na vida pessoal, profissional, geral, da vÃtima, pois o que dela se fala em seguida raramente é positivo ou elogioso, embora o mexerico do bem possa ocorrer, como exceção.
O ouvinte, quase sempre, se deleita com a fofoca, e, tendo-a como verdade ou não, sabendo ou sequer imaginando as conseqüências, a transmite para outro e este para outro e assim a coisa vai crescendo, a ponto de adquirir vida própria e de se libertar de seu criador, como um Frankenstein verbal/virtual. Em polÃtica, então, é famosa a afirmação de que ‘mais importante do que o fato é a versão’.
Ninguém pode dizer que não foi, não é ou não será vÃtima do mexerico e da fofoca. Não existe vacina contra. Até porque a fofoca trata exatamente do que não existe. É a história inventada, criada com propósitos diversos que vão desde a vontade deliberada de prejudicar, de criticar ou de diminuir alguém, até a estratégia para por ou manter alguém em evidência, na boca do povo ou na mÃdia.
A fofoca é uma praga e uma instituição. Praga, porque não respeita nada e ninguém, vivo ou morto, e porque se alastra insidiosa e traiçoeira, pérfida e deslealmente. Instituição, porque ..., bem, basta ver a quantidade de revistas especializadas em fofocas que está nas bancas e o número de programas de televisão tendo-a como matéria prima.
Entre os eruditos, há quem diga que a fofoca é um instrumento de regulação e de contensão social. O psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, em seu clássico estudo ‘Tratado Geral da Fofoca’, editora Summus, 1978, conclui que a fofoca é o sintoma mais universal de dissociação (desagregação) psicossocial.
Na verdade, fofocar é prazeroso para o fofoqueiro doentio, que assim se comunica e se diverte, além de passar uma imagem de bem informado, de pessoa que sabe das coisas, pouco lhe importando se são não verdadeiras ou que machuquem o outro..
O que o fofoqueiro detesta é ser objeto da fofoca, é saber que estão comentando alguma coisa a seu respeito. AÃ, vira fera. Quer brigar, tirar satisfação etc.
A fofoca pode se caracterizar, penalmente, como injúria, calúnia ou difamação, os chamados crimes contra a honra, sujeitos a penas que variam de um mês a três anos, com mais um terço ou o dobro, dependendo de qual venha a ser caracterizado e das circunstâncias.
A fofoca pode destruir uma reputação, uma vida, e por conta de um ‘disse que me disse’ já se matou e já se morreu. Morte fÃsica ou morte moral e social.
Quando a fofoca ganha registros na mÃdia, pode ser arrasadora. Há anos, uma parte da imprensa divulgou que numa escola de São Paulo, Capital, as crianças eram molestadas pelos proprietários. Depois de demoradas investigações, foi provado que não era verdade, era fofoca. Os donos da escola, entretanto, tiveram que fecha-la, quebraram e nunca mais foram os mesmos, pois, ainda que provado serem inocentes, continuam sendo vistos com os olhos do preconceito e da discriminação.
Por isso, está milenarmente certo o poeta latino Horácio, que viveu antes de Cristo, quando disse: ‘E uma vez lançada, a palavra voa irrevogavelmente’ (Epistolas, I, 18,71). Acrescento: não dá para apagar a palavra com borracha ou com errorex. Por isso, se souber com certeza, pense para falar; se não souber com certeza, nem pense em falar.
Para um começo de ano, fofoca não parece ser um bom assunto. Mas, considerando que ninguém está fora de perigo, meus votos são de que todos nós sejamos poupados desse mal e de todos os outros.
(*) Neiton de Paiva Neves é advogado. Foi prefeito de Araguari, de 1983 a 1988, e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos - Campus Araguari.
(Artigo publicado originalmente na revista Evidência,
edição de dezembro de 2005)
Dispensando o Aurélio, Houais define que fofoca é o ‘ato ou efeito de fofocar; dito maldoso; mexerico; especulação; aquilo que é comentado em segredo sobre outrem’. Segundo ele, fofocar é “fazer fofoca, mexericar; bisbilhotar etc.’
‘Olha, estou vendendo pelo preço que comprei, não vi e não sei de nada, mas...’. Essa geralmente é a frase que anuncia a fofoca. Depois, vem o estrago na vida pessoal, profissional, geral, da vÃtima, pois o que dela se fala em seguida raramente é positivo ou elogioso, embora o mexerico do bem possa ocorrer, como exceção.
O ouvinte, quase sempre, se deleita com a fofoca, e, tendo-a como verdade ou não, sabendo ou sequer imaginando as conseqüências, a transmite para outro e este para outro e assim a coisa vai crescendo, a ponto de adquirir vida própria e de se libertar de seu criador, como um Frankenstein verbal/virtual. Em polÃtica, então, é famosa a afirmação de que ‘mais importante do que o fato é a versão’.
Ninguém pode dizer que não foi, não é ou não será vÃtima do mexerico e da fofoca. Não existe vacina contra. Até porque a fofoca trata exatamente do que não existe. É a história inventada, criada com propósitos diversos que vão desde a vontade deliberada de prejudicar, de criticar ou de diminuir alguém, até a estratégia para por ou manter alguém em evidência, na boca do povo ou na mÃdia.
A fofoca é uma praga e uma instituição. Praga, porque não respeita nada e ninguém, vivo ou morto, e porque se alastra insidiosa e traiçoeira, pérfida e deslealmente. Instituição, porque ..., bem, basta ver a quantidade de revistas especializadas em fofocas que está nas bancas e o número de programas de televisão tendo-a como matéria prima.
Entre os eruditos, há quem diga que a fofoca é um instrumento de regulação e de contensão social. O psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, em seu clássico estudo ‘Tratado Geral da Fofoca’, editora Summus, 1978, conclui que a fofoca é o sintoma mais universal de dissociação (desagregação) psicossocial.
Na verdade, fofocar é prazeroso para o fofoqueiro doentio, que assim se comunica e se diverte, além de passar uma imagem de bem informado, de pessoa que sabe das coisas, pouco lhe importando se são não verdadeiras ou que machuquem o outro..
O que o fofoqueiro detesta é ser objeto da fofoca, é saber que estão comentando alguma coisa a seu respeito. AÃ, vira fera. Quer brigar, tirar satisfação etc.
A fofoca pode se caracterizar, penalmente, como injúria, calúnia ou difamação, os chamados crimes contra a honra, sujeitos a penas que variam de um mês a três anos, com mais um terço ou o dobro, dependendo de qual venha a ser caracterizado e das circunstâncias.
A fofoca pode destruir uma reputação, uma vida, e por conta de um ‘disse que me disse’ já se matou e já se morreu. Morte fÃsica ou morte moral e social.
Quando a fofoca ganha registros na mÃdia, pode ser arrasadora. Há anos, uma parte da imprensa divulgou que numa escola de São Paulo, Capital, as crianças eram molestadas pelos proprietários. Depois de demoradas investigações, foi provado que não era verdade, era fofoca. Os donos da escola, entretanto, tiveram que fecha-la, quebraram e nunca mais foram os mesmos, pois, ainda que provado serem inocentes, continuam sendo vistos com os olhos do preconceito e da discriminação.
Por isso, está milenarmente certo o poeta latino Horácio, que viveu antes de Cristo, quando disse: ‘E uma vez lançada, a palavra voa irrevogavelmente’ (Epistolas, I, 18,71). Acrescento: não dá para apagar a palavra com borracha ou com errorex. Por isso, se souber com certeza, pense para falar; se não souber com certeza, nem pense em falar.
Para um começo de ano, fofoca não parece ser um bom assunto. Mas, considerando que ninguém está fora de perigo, meus votos são de que todos nós sejamos poupados desse mal e de todos os outros.
(*) Neiton de Paiva Neves é advogado. Foi prefeito de Araguari, de 1983 a 1988, e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos - Campus Araguari.
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