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Os miseráveis

Aristeu Nogueira Soares

Nossa amiga e colunista, além de inúmeros outros adjetivos aqui omitidos, Marília Alves Cunha disse-me estar aguardando esta "crônica outra", uma vez que ela detém em análise eterna um texto extraído do Estado de Minas, da coluna de Eduardo Almeida Reis. Num texto breve ele afirma que nada lucra em cima da miserabilidade humana e com razão, pois era só o que faltava ser beneficiário de uma situação como esta, coisa que apenas políticos fazem muito bem.

Trecho inicial do texto: "Não raras vezes, há cavalheiros que deixam escapar a idéia de que os ricos vivem à custa dos miseráveis e se beneficiam dos milhões de pobres que vivem no Brasil. Daí a pergunta que faço aos leitores: o cavalheiro e a dama se consideram beneficiários da miséria alheia"?

Ainda do texto de Eduardo Almeida: "Voltemos à pergunta: de que forma tiramos “proveito” desses milhões de miseráveis? Por mais que me esforce, não consigo vislumbrar nosso lucro, o meu e o do leitor, com dezenas de milhões de criaturas vivendo em condições infra-humanas".

Posso não satisfazer à Marília na plenitude muito menos ao indagador, porque é uma questão filosófica, e também econômica, de amplitude abrangente. Não sou filósofo de carteirinha, mas penso e logo insisto. Também não sei o que seja um sociólogo, mas, com certeza, não é alguém que cultue estar bem no alto da casta. Há algum tempo classifiquei-me, juntamente com uns outros viciados em ajudar o próximo, como insistente social. Existem mil e uma maneiras de lucrar com a desgraça alheia e irei citar algumas poucas.

O tema refere-se ao tamanho da nossa responsabilidade pela existência de milhões de miseráveis e a culpa de alguns que até lucram com a peregrinação destes seres expulsos da nossa família. Não são apenas os políticos que supostamente se beneficiam. De cara posso apontar as indústrias de recicláveis.

O que vem a ser um miserável? Um mendigo? Um andarilho? Um desempregado? Um ex-presidiário? Uma mãe solteira expulsa? Um alienado? Uma família cadastrada no Bolsa-Família?

Posso afirmar que em qualquer reunião pública, que se exige quórum de platéia, estas famílias cadastradas no Programa de Renda Mínima são convocadas e ameaçadas com a perda do benefício. Estão realmente lucrando com estes miseráveis.

Eu nasci numa grande família tipicamente miserável e não existia ajuda governamental, mas também não existia atrapalho, ou seja, nós crianças podíamos trabalhar para complementar a única renda paterna de salário mínimo. Muita vez a ajuda governamental alicia e aquieta. A certeza de não morrer de fome pode sucumbir o surgimento de outras necessidades importantes, como a educação. Eu tenho uma parente muito próxima, com quatro filhos, que depende desta Bolsa, mas ainda bem que a ambição não foi morta.

Ficar abaixo da linha de pobreza é pertencer então ao alicerce da pirâmide social, o que poderá por tudo a ruir.

Eu sou responsável também por este quadro em maior ou menor grau, mas tal me preocupa diuturnamente.

Um ex-drogado que se oferece para limpar o fundo do quintal e que não é aceito, o proprietário está promovendo um miserável.

Teve um tempo em que fui da rua e dormia com qualquer mulher, então algum miserável pode ter meu DNA. Pai então sou ou posso ser de miseráveis.

Quando sonego impostos, seja de renda ou circulação, desvio verbas sociais tão quanto os governantes corruptos e, junto a eles, lucro com os miseráveis.

Quando gasto com meus cães, apesar de eles me darem aula de amor, estão sem ração os miseráveis humanos vira-latas.

Quando bebo leite barato que uma menina tira como gente grande, madrugada afora, por um salário escravo, estou lucrando com os miseráveis.

Quando acendo a churrasqueira com carvão do cerrado estou transformando meus descendentes em miseráveis, além de um carvoeirinho estar fora da aula.

Se alguém vive do que eu jogo fora eu fomento os miseráveis ainda mais.
Se eu me embriago com uma cachaça amarelinha, onde um cortador de cana foi explorado, sou um bêbado graças ao lúcido miserável.

Minha idolatria por um jogador de futebol pode expulsar uma criança da escola, outro com chances miseráveis.

Definitivamente os miseráveis devem ser nossos senhores e, por mais que eu me dedique a estes desafortunados, ainda terei um muito para eles.

Tendo em vista que eu resisti à várias internações psiquiátricas e, agora diagnosticado "sob controle", minha "mens sana" aponta-me a muitos lunáticos, os mais miseráveis em qualquer escala humana, aos quais preciso abrir uma frente, e ,aí ainda, pretendo lucrar muito com isto: A libertação de algum deles do jugo dos pesadelos sem fim.

7 comentários:

  1. Um texto impactante, inteligente, emocionante e que até assusta, e convida à reflexão. O Aristeu, que escreve muito bem, é também notável por transparecer que conhece dos problemas com a própria carne. Também é visível que faz o possível (não só com as palavras) para melhorar o que puder, ao seu redor. E é dessa forma bonita e sutil que vai conquistando o respeito e a admiração dos seus leitores.

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  2. Aliás, tem um excelente vídeo "rolando" na internet sobre o quanto "os ricos são frágeis, porque dependem dos pobres para tudo". Também fala sobre a publicidade, que deveria ser considerada uma "atividade criminosa", sobre "como o ensino cassou a competência dos pobres", sobre o "papel social do exército", etc. Vale muito a pena: http://www.youtube.com/watch?v=NMn_1rQ3sms

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  3. Replico o comentário do Glaucio.

    Temos o privilégio de curtir o talento aristeuniano neste reduto aloísico.

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  4. A Marília também me instigou a pensar sobre o assunto. O Seu Aristou falou tudo. O escritor Eduardo Almeida Reis e colunista do Jornal Estado de Minas elaborou o texto sob análise com o título: “Tirante os políticos”; mas explicou que não pretendia excluí-los ou excetuá-los e pergunta: “Forante o político, o leitor conhece alguém que viva da miserabilidade alheia ou dela se beneficie?”; “de que forma tiramos “proveito” desses milhões de miseráveis?” Ele também afirmou que andou na “beirada da tábua”, mas não passou fome. A miséria não é relativa, é fome, é pobreza absoluta e não pode sozinha ajudar a ninguém, exatamente por que não tem com o que ajudar. De modo genérico, sem examinar casos especiais, as pessoas individualmente não são “culpadas” nem por viverem na miséria nem de viverem na opulência, exceto estas que podem temer a distribuição da riqueza que poderia diminuir a fome de muitos, mas também seu próprio conforto. É uma análise infrutífera usar parte da sociedade para condenar o todo, mas a miséria é indicativo de falhas sistêmicas, mas sanáveis e não podem ser alvo de nivelamento por baixo. Pode ser resultado de concentração de renda. Também existem bilionários graças a falhas sistêmicas. A sociedade, inclusive os políticos (que nos representa), é responsável tanto pelo surgimento de bilionários como de miseráveis. Em sentido inverso miseráveis podem ser responsáveis por sua própria condição caso não aceitem os meios oferecidos pela sociedade para se promoverem ou sair por esforço próprio da condição de pobreza, seja negligenciando a escola pública, seja utilizando-se indefinidamente do bolsa família ou a ajuda do governo que busca a inclusão social por meio de cestas básicas, organizações sociais, recusando o alistamento no serviço militar obrigatório, concursos públicos, etc.. Milionários se não tiverem competência para manter suas riquezas podem deixar seus descendentes na miséria. Ao nosso nível, mesmo compondo a massa de responsáveis não devemos entregar todo o nosso salário para aliviar nossa consciência, já que a solução da miséria é responsabilidade de todos e o que temos é fruto do nosso trabalho e esforço, com objetivos existenciais. É um sistemão de interrelacionamentos e interdependências cujos desígnios também podemos buscar como responsável ou “culpado” o Criador do Mundo! Creio que ele não pretendeu livrar o mundo nem da miséria, que melhora os sentimentos dos demais, nem da riqueza que consola e inspira a ilusão de todos. Mas o tema atrai o fascínio, mas não reinventa a roda e algumas vezes inspirou as pessoas ao limite de stress para pregar a luta entre classes sociais, criar filosofias, religiões, partidos políticos e discursos de demagogos. O Joaozinho Trinta estava certo!

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  5. Quem pensa que eu apenas sigo o Aloísio ou seja colunista está redondamente errado. Tenho certeza que visito este portal mais que ele mesmo. Inclusive quero dizer que clico nas propagandas e compro os produtos anunciados. Comprei um método de violão que em momento algum se diz que é cd room e também quis descobrir o que fui em outra vida passada e comecei a receber torpedos sobre vidas de artistas do presente. Até cancelar, o que levou uns quatro dias, paguei uns quatro reais de torpedos. Acho que minha vida de ontem eu não devo ter sido presa tão fácil.

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  6. Aristeu,

    tô sem créditos pra torpedo; então, se me encontrar numa dessas vidas passadas, depois me conta quem fui...

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  7. Suas vidas amarrotadas

    Edilvo, sobre sua vida,
    Eu sem crédito celular,
    Peguei sobra de comida
    E fiz um grande patuá.

    Fui numa encruzilhada
    À meia-noite de sexta-feira
    E na primeira baforada
    Desceu legião inteira.

    Conversei com sete-flexas
    Tranca-rua e zombeteiro...
    Izifii, é o Preto-Velho
    Que conhece você inteiro.

    Você já foi Dalila
    De deixar Sansão na mão
    Na Pré-História godzilla
    Tua mais feroz encarnação

    No começo do mundo você foi
    Não sei se Eva e Adão,
    Com certeza, o primeiro boi
    Em holocausto no carvão.

    A Cleópatra do Egito
    Picada por uma cobra
    Foi você que sem um grito
    A outra vida se dobra.

    Você foi fungos e virus
    Bactérias de testes
    Autor de bulas e papiros
    Agora inimigo das pestes.

    Tens duas missões, uberabense,
    Pra coroar todas as existências
    Ver campeão do Mundo o Fluminense
    E ao pobre dar saúde e assistência.

    Assim não pagarás os pecados
    E serás eterno devedor...
    Jesus tem te perdoado
    Só por ser tricolor!

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