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A Indústria do Pedir

Aristeu Nogueira Soares

EM GOIANDIRA

Assim como os especialistas em segurança pública pedem para não reagirmos quando abordados por bandidos, os especialistas em caridade esforçam-se em nos convencer para darmos esmolas sem preocuparmos com a veracidade da necessidade do pedinte.

Em parte é verdade, mas sempre que possível há de se fazer um levantamento da real situação, pois a nossa boa-vontade pode gerar vagabundos. É fácil se fazer de pedintes surdos-mudos já que a gente até dispensa estórias ou justificativas uma vez que não sabemos, nem eles, a linguagem dos sinais. Uma dica – os verdadeiros surdos-mudos tocarão suas campainhas várias vezes e até complementarão com palmas, pois pensam que a campainha não funciona porque não a escuta.

Ainda em meados de julho bateram à minha porta pedindo ajuda a um paciente renal. Fiz o meu óbulo sem desconfiança, mas no final do mês a menina voltou.

Pra não dar muitas explicações andam com um bilhete plastificado contando a situação assim:

Paciente Daniel Fernando de Paulo, portador de insuficiência renal e “inpertenção” arterial.

Hospital São Lucas de Uberlândia, fones: (34) 3821-8888 e fax 3821-8947

Tudo levaria a crer tratar-se de um relatório do Hospital, mas a grafia da suposta palavra referente à “hipertensão” denuncia a fraca escolaridade do autor.

A garota pedinte, que se diz irmã do paciente, diz que ele se encontra no programa de hemodiálise precisando de ajuda para transplante.

Em si sendo irmã pedi pra ver a carteira de identidade dela ao que disse estar com a mãe mais acima, do outro lado da rua, ou seja, o negócio é um arrastão.

Perguntei-lhe então o seu nome completo e vi que nada tinha a ver com a assinatura do suposto doente. Informou-me que era apenas irmã por parte de mãe. Alguns profissionais têm sempre as suas saídas, isto se chama especialização.

Então insisti: - Quer dizer que ele trata em Uberlândia?

Ao que respondeu: - Não, agora já está em Goiânia.

A história ainda não me cheira bem. Eu a liberei com alguns reais. Sei que ela vai voltar, mas eu, com o auxílio da Internet, já descobri que em Uberlândia não tem nenhum Hospital São Lucas. Tal hospital e referidos telefones existem, mas na cidade de Patos de Minas, minha terra natal de gente inteligente.

O mais esquisito é que dizem morar em Catalão e, sair de uma cidade grande pra mendigar numa menor, bem menor, parece-me não ser um bom negócio, pois somos inocentes, mas pobres também.

EM ARAGUARI


Já desmascarei muitos falsos pedintes, mas também já fiz muito mais do que pediam alguns.

O último foi agora no dia 10 de Agosto 2009 na Clínica Urológica do Hospital São Sebastião em Araguari.

Fui ao primeiro encontro íntimo com o Dr Nivaldo e um senhor, no meio do salão de espera, balançando uma caixa de remédio, choramingou teatralmente por moedas, pois tinha acabado de chegar da Secretaria Municipal de Saúde e seu remédio não chegara.

Num piscar de olhos pedi-lhe a receita. Em resposta disse-me que a havia deixado em casa, pois deveria estragar de tanto dobrar e mostrar para os outros.

Então, mais uma vez, disse-lhe: - O Senhor foi à Secretaria Municipal pra pegar remédio sem receita? Eles entregam?

Ele disse que tem cadastro, mas ainda assim não se justifica a entrega da medicação por parte daquele órgão. Pra não perder o costume da caridade dei-lhe uma moeda, mas consciente do aproveitamento do próximo, no que não fui acompanhado pelos presentes.

Uma pergunta faz-se necessária:

- Por quê os hospitais são tão arrumadinhos, reformados, com sistemas de aquecimento e a Secretaria Municipal de Saúde, lá perto do córrego, parece ruína? Não é de lá que vertem corrente de recursos?

Tenho uma parenta que foi ao postinho apenas para verificar a pressão e voltou com sacolas de remédios, sendo que já estava abastecida até outubro. Remédio demais vira veneno. Cadê o controle do que leva cada paciente cidadão?

Ainda não entendo isso, mas deixa isso para outros investigadores, minha especialidade é mendigos.

Um comentário:

  1. As passagens mais inteligentes sobre dar ou não esmolas na rua eu vi no espiritismo. Não sei se me lembro bem, mas a tese era que a pessoa que pede por vadiagem, desonestidade, enganando as pessoas, mostrando falsa doença, etc., elas terão a sua justa punição (no céu, no inferno, noutra encarnação, ou sei lá onde); quanto às pessoas que doam de boa fé a quem lhes engana, o bem estar que fizeram no mesmo momento foi em primeiro lugar a elas mesmas, tanto diminuindo o o constrangimento de ver a vítima do infortúnio, quanto com o desenvolvimento de suas próprias virtudes ou sentimentos de solidariedade, fraternidade, etc.. Mas quanto à questão mundana das causas e conseqüências da existência de pedintes com falsas mazelas, fato comum no país e no mundo, à falta da possibilidade de extinguir simplesmente a pobreza, temos um texto de um ministro petista do “fome zero”, Patrus Ananias, que disse: “Não nos esqueçamos que a esmola, em toda sua história que remonta a tradição judaico-cristã - e também de outras religiões - é um gesto de momento. Portanto, temos de reconhecer que uma grande conquista dos nossos tempos, do Estado Democrático de Direito, é o fato de hoje permitirmos que o atendimento das necessidades básicas das pessoas não sejam movidas por momento, mas que sejam um compromisso solidário de todas as pessoas para assegurar o acesso regular e constante a todos os serviços e direitos necessários à dignidade humana: alimentação, segurança econômica, assistência social, trabalho, saúde, educação, moradia etc. A maior justiça que podemos alcançar com esse ideal de fraternidade é ter Estado e sociedade compartilhando bens e valores na construção de um projeto de nação que promova o mais forte sentimento de pertencimento, de pátria.” Claro que a narrativa do Senhor Aristeu pode ser o indício do fracasso das políticas sociais ou também podemos deduzir que sem bolsas de ajuda seria pior. Enquanto isso a população religiosa vai se consolando com os versículos bíblicos, por exemplo: Mateus: "Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber; era peregrino e recebestes-me; estava nu e destes-me de vestir; adoeci e visitastes-me; estive na prisão e fostes ter comigo". Então, os justos responder-lhe-ão: "Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?". E o Rei dir-lhes-á em resposta: "Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes" (Mt. 25, 35-40). Felizmente não somos vítimas do infortúnio e não sabemos quais atitudes tomaríamos para sobreviver nas mesmas circunstâncias, mas a sociedade sempre correu o risco de ver aumentada a indústria da esmola.

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