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Cerrado Mineiro: a nova fronteira do café

(*) Ensei Neto

O ser humano tem uma capacidade única que o difere das outras criaturas: é a capacidade de superação.

Cansados das constantes perdas por geadas, cafeicultores do Norte do Paraná, entre o final dos anos 60 e início dos anos 70,começaram a procurar outras regiões para o cultivo do café. Dessa leva de paranaenses, muitos adentraram no Planalto Central, sendo que alguns chegaram até onde hoje é o estado do Mato Grosso. Para eles, essa seria uma oportunidade de se combinar terras baratas, porque eram áreas, digamos, "incultas e belas", com uma distância segura de locais muito frios.

Alguns deles se acabaram por se instalar na borda do Planalto Central, situado à Oeste de Minas Gerais, mais precisamente no Triângulo Mineiro, onde fica o "nariz" desse estado. Existem diversas histórias muito interessantes desses bandeirantes modernos, que ajudaram a escrever a história de uma região que é a caçula das produtoras de café do Brasil.

Foto obtida pelo satélite Landsat e que está disponível no interessante site www.cdbrasil.cnpm.embrapa.br.

Até aquele momento, no início dos anos 70, a chamada região dos cerrados, que é a vegetação predominante do Planalto Central, caracterizado pela presença de campos e árvores de pequeno porte muito retorcidas, era considerada inadequada para a cafeicultura.

Num misto de ousadia e ignorância, que multiplicam o fator determinação e, por conseguinte, superação, diversos produtores foram adquirindo terras nesse novo pedaço do Brasil, pois além de baratas, porque o pessoal da região sempre achava que nem gado se criava direito, elas tinham a coloração avermelhada, semelhante à famosa Terra Roxa (corruptela do italiano que significa vermelha) ! Isso era o paraíso...

Paisagem típica do cerrado brasileiro, com o coqueiro buriti, que é indicativo de nascentes d´água

Esse fato, ao mesmo tempo que induziu muitos paranaenses a seguirem para o Triângulo Mineiro, também se provou como um grande erro. Justamente as terras avermelhadas, no cerrado, são as menos férteis!

Esse providencial erro foi o sinal que os produtores precisaram para criar alianças com pesquisadores, com o objetivo de compreender como deveriam proceder para ter lavouras produtivas. A partir disso, até por não contarem com as estruturas existentes nas regiões tradicionais de café, os produtores tiveram de se organizar, cultivar a pesquisa e experimentar sempre.

Outro detalhe geográfico é que a topografia do cerrado é bastante plana ou, no máximo, levemente ondulada, sem montanhas, favorecendo um outro modelo de produção, baseado num elevado nível de mecanização.

Foto da propriedade do Ricardo Torezan. Observe que a sensação de amplidão é excepcional, e a topografia lembra uma muito, muito extensa mesa...

PAULISTAS NO TRIÂNGULO MINEIRO

Além de paranaenses, muitos paulistas da região da Alta Paulista, que compreende Garça, Marília e Tupã, seguiram rumo ao Triângulo Mineiro.

Um município que abrigou muitos desses modernos bandeirantes foi Araguari, que dista 30 km de Uberlândia, a cidade-polo da região. Foi aí que nasceu o embrião de um modelo de organização de produtores rurais que se tornou caso de estudo de diversas escolas de administração do Brasil e do Exterior: a Associação dos Cafeicultores de Araguari. E sem dúvida, o personagem principal foi o Dr. Antônio Reinaldo Caetano, que muitas vezes o chamamos de "Irmão Mais Velho". Biomédico, bom de prosa, idealista e cantor de modinhas bissexto, Reinaldo Caetano, como é mais conhecido, foi a "locomotiva" para muitas atividades da região, inclusive do Seminário de Cafeicultura Irrigada, que é referência internacional.

Solenidade de abertura da Fenicafé com o Reinaldo Caetano ao centro, à direita do então Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e outras autoridades

SERAFIM PERES

Outra personalidade que transcende Araguari é o Sr. Serafim Peres.

Depois de plantar café no Norte do Paraná e em Tupã, Alta Paulista, resolveu se mudar "de mala e cuia" para a região do Cerrado Mineiro, instalando-se no Distrito do Amanhece, em Araguari.

O interessante nome "Amanhece" foi dado porque, antigamente, quando havia uma linha férrea regular, os trens provenientes ou de São Paulo ou de Goiás faziam uma parada nesse local para abastecer as "Marias Fumaças", como eram chamadas as locomotivas a vapor, de água. Como, normalmente, devido ao horário de chegada ser o noturno, os condutores pernoitavam lá e, dessa forma, a composição literalmente "amanhecia" no Amanhece...

Sr. Serafim, como os típicos novos bandeirantes do Cerrado Mineiro, se apaixonou pela pesquisa, chegando a transformar a sua famosa Fazenda Paraíso num verdadeiro "campo experimental", onde são mantidos diversos experimentos sobre irrigação e nutrição do cafeeiro. Em grande parte, essa paixão pela pesquisa foi estimulada pelo seu filho Evanildo Peres, agrônomo com mestrado em Nutrição do Cafeeiro e que foi docente da UNESP em Jaboticabal. Particularmente, considero Evanildo como um dos mais brilhantes agrônomos, sendo meu "guru" nas "coisas da planta do café" .

Outra particularidade é que o Sr. Serafim é referência em termos de alta qualidade de cafés, tendo produzido ao longo dos anos excelentes cafés, além de ser um dos formadores de opinião da região.

Sr. Serafim ao lado do seu armazém de café em coco


ORGANIZAÇÃO

Comentei que o que sistema de organização dos cafeicultores da região do Cerrado Mineiro já foi caso de estudos, devido aos diferentes aspectos que ele incorporou.

Conforme os produtores foram se organizando em associações, nos diversos municípios da região, eles começaram a realizar um grande intercâmbio entre si, gerando, a partir daí, um clima de companheirismo que fez nascer uma nova entidade, inédita na história da cafeicultura brasileira: o CACCER - Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado. Foi a primeira entidade dessa natureza no Brasil, congregando as várias associações e cooperativas de café da região.

Além do Dr. Reinaldo Caetano, um dos líderes da região, duas outras pessoas tiveram papel fundamental: Juarez do Valle e Aguinaldo José de Lima.

Juarez é de Araxá, terra da Dona Beja, e possui algumas idéias inspiradíssimas, sendo dele o símbolo da região: Café do Cerrado. Ele conta que ele viu esse símbolo quando estava amarrando o sapato e seus pés estavam em posição semelhante aos ponteiros do relógio marcando 10h10.

É coisa genial...

Juarez do Valle em estande na feira francesa SIAL, com uma cliente

Aguinaldo Lima teve o mérito de reunir as entidades e organizá-las através do Conselho, criando-se, então, condições para o desenvolvimento de diversas atividades e ações de marketing que tornaram a região do Cerrado Mineiro referência em tecnologia e organização dos produtores.

Outra grande "sacada" foi a demarcação da região, numa estratégia política conduzida com sucesso pelo Aguinaldo, congregando 55 municípios em ato inovador.

Logomarca criada pelo Juarez do Valle e a região demarcada do Cerrado Mineiro

(*) Ensei Neto é Engenheiro Químico com especialização em Tecnologia de Alimentos e Marketing. Consultor em Qualidade e Marketing para Cafés Especiais e Juiz Certificado de Cafés Especiais, também é membro do Technical Standards Committee da SCAA - Specialty Coffee Association.

Cerrado Mineiro: a nova fronteira do café foi publicado pelo autor em julho de 2006 no blog: The Coffee Traveler

Ensei Neto é autor também do site http://www.coffeetraveler.net/

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