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Geraldo França de Lima, por Carlos Roberto Felice

Carlos Roberto Felice *

A primeira vez que vi Geraldo França de Lima, foi numa solenidade de formatura. Ele era paraninfo de alunas do Colégio das Irmãs, e eu, radialista adolescente, fazia o cerimonial. Naquela época, as emissoras de rádio locais tinham um compromisso com as famílias das formandas de transmitir, ao vivo, a colação de grau,  muito mais por badalação social do que pelo  seu real significado.

Ao discursar, o paraninfo, hábil e perspicaz, foi dosando o conteúdo de seu improviso de acordo com o poder de assimilação do auditório, composto por gente de saber heterogêneo e a bem da verdade de pouca percepção. Apesar do esforço do orador, as pessoas não entendiam direito o significado do discurso. No fim, tarefa  cumprida, ele distribuiu presentes a cada uma das moças, e foi embora exaurido pela chatice própria das formaturas, em que os organizadores, geralmente pessoas de pouco senso prático, ainda hoje costumam pôr a palavra livre, uma espécie de humor negro feito para atenazar os ouvidos de quem, impacientado, acaba passando o tempo todo se mexendo nas cadeiras.

Até então nunca havia lido nenhum livro dele, o que só ocorreu pouco tempo depois. E sobre isso, permito-me dizer que me impressiona até hoje a facilidade que sempre teve o nosso romancista de envolver o leitor na trama e remetê-lo ao ambiente descrito. Ao ler, é impossível não viver junto com a personagem, partilhar com ela as naturais emoções, tal a maneira com que os protagonistas são concebidos no intelecto do autor. Aquele mesmo prazer que nos proporciona o realismo de Eça é uma catarse que nos arrebata vinda da inteligência criadora do ilustre conterrâneo. Geraldo França de Lima cativa e instiga. Só quem tem talento consegue fazer isso.

Poucas vezes conversamos. Por mais curtos que tenham sido os diálogos, a cada encontro descobri nele e em seus conhecimentos uma coisa nova, diferente, principalmente quando o assunto era estilística, tema que  abordava  com a mesma fluência, alegria e interesse com que ensinava os acadêmicos da Universidade do Rio de Janeiro.  Lembro-me de que certa vez foi definitivo ao falar sobre o resultado financeiro da obra dos escritores. Soube, então, que escritor brasileiro que imagina poder viver com dinheiro da venda de livros está totalmente enganado. Salvo poucas exceções, no Brasil quem escreve nunca alcança.

Eleição para a Academia Brasileira de Letras é coisa diferente. É uma competição que envolve pessoas de todos os matizes intelectuais e ideológicos. As coisas se tornam mais difíceis quando o adversário tem a candidatura patrocinada por gente ligada ao poder. Geraldo França de Lima teve acesso à Academia vencendo no campo da inteligência criadora e suplantando a influência do poder que apoiava outro postulante. Por isso, a vitória teve sabor intenso. Ganhou, e lá está para sempre, mesmo que fisicamente ausente.

Assim como o auditório da longínqua formatura não entendeu o significado do discurso, tampouco o conteúdo da mensagem, as pessoas responsáveis pelo gerenciamento oficial da cidade não assimilaram à época e nem depois, a importância de que se revestia o fato de um araguarino ascender à Academia. Não passou pela cabeça deles que a láurea, a projeção e a honra outorgadas ao acadêmico que chega, ele a transfere  costumeiramente para a sua terra natal, como que impulsionado por uma necessidade interior de se voltar para as próprias raízes.

Mas estou convencido de que eles não fizeram por mal. Não houve má-fé. Simplesmente não entenderam a dimensão do fato. Talvez ainda hoje desconheçam que a Academia, em que pesem as críticas de setores progressistas da cultura nacional, abriga parte importantíssima da intelectualidade brasileira, é de onde saem estudos, ensaios,  propostas e teses que contribuem para a formação da consciência crítica da nação. Realmente, acredito que não fizeram por mal. Daí concluir-se  que Araguari  não fez a homenagem de que é credor  o seu filho mais importante nessa fantástica arte da escrita.

Só que agora não dá mais. Apenas  homenagens póstumas são possíveis. Geraldo França de Lima morreu aos 89 anos, no Rio de Janeiro, onde foi sepultado.
   
* Jornalista

2 comentários:

  1. Ler Carlos Roberto Felice é um imenso prazer. Sua fluência, o português perfeito e a clareza de seus pensamentos tornam seus textos bonitos, além de sempre esclarecedores. Concordo com o Carlos Roberto: as homenagens póstumas chegam sempre atrasadas, principalmente para aqueles que em vida conseguiram grandes realizações, como é o caso de Geraldo F. de Lima.

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  2. Num tom de brincadeira, lógico, por certos acadêmicos como o Sarney, desabafei, um dia, em jornal de grande circulação a seguinte frase: "Se um dia me oferecerem uma cadeira na ABL prefiro ficar em pé".
    A Academia realmente é o mais alto reconhecimento. Que tantos outros deveriam figurar lá, isto é verdade, mas um nome na história também pode se fazer sem confrades.
    Se me derem uma cadeira lá a emoção seria tão forte que a vacância seria imediata.

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