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É preciso ouvir...


Marília Alves Cunha

Igor Giovani e João Vitor procuraram socorro, sentiram medo, pressentiram no ar o pesado cheiro da violência. Falaram. Suas queixas não escutadas transformaram-se em corpos esquartejados, escondidos em sacos de lixo. Perdidos ficaram para sempre o seu riso infantil, seu olhar de criança, suas brincadeiras. O socorro não veio. É preciso ouvir...

Crianças pedem socorro nas ruas, esquinas, nos sinais, fazendo macaquices, implorando “um dinheirinho prá comprar arroz”, longe das escolas, distantes de um mundo melhor, aprendendo a sobreviver de modo malandro, onde o mais forte é o mais esperto, onde a vida é medida pelo butim arrecadado, onde começam cedo o sexo e o vício.

Crianças pedem socorro pela falta de alegria, pela falta de futuro, quando a sua boca se fecha em amargura e seus olhos envelhecem precocemente, o corpo falando alto através de cicatrizes, equimoses, queimaduras, fraturas, marcas da maldade espraiando-se como pegadas na areia.

Crianças pedem socorro pela sua inocência invadida, tomada por mãos brutais, pela morte de sua alma que nem sequer começou a abrir-se ao mundo, pelo seu corpo indefeso exposto á brutalidade e sanha de monstros.

Crianças pedem socorro quando abandonadas. Carinho, afeto e diálogo sempre à espera, afago sempre atrasado. Discórdia, incompreensão, intolerância e desamor respondendo “presente”.

Crianças pedem socorro quando vivem na marginalidade, afeitas ao crime, no lado escuro da vida, tendo bandidos como heróis, colecionando desprezo por pessoas, pela vida e pela morte. Crianças que se drogam, roubam, matam e traficam, reféns de exploradores e de uma sociedade que não as reconhece e que se esforça em esquecê-las.

Pedem socorro as muitas crianças que vivem pelo Brasil afora e que vão crescer e viver sem conseguir uma educação formal. Enquanto pululam péssimas Universidades, fábricas de lucros e de desempregados, o ensino fundamental e o médio caem a níveis surpreendentes, comparáveis aos piores do mundo.

Crianças pedem socorro na porta dos hospitais, nas filas dos ambulatórios. A falta de investimento na saúde, na proteção à infância e à maternidade fazem todos os dias milhares de vítimas. Recursos são desviados, obras ficam inacabadas, a corrupção solapa tudo, não existe vontade política, nem seriedade, nem vergonha e humanismo para encarar e corrigir tão grave problema.

É preciso ouvir! É preciso falar! É preciso agir. Sair desta inércia que é inimiga das nossas crianças, sair desta inércia que maltrata os nossos jovens, sair desta inércia que não propicia a ninguém uma vida mais digna de ser vivida. A maior riqueza, o maior recurso, o maior tesouro a ser cultivado em um país é o seu povo. Repito mais uma vez Herbert de Souza: “Quando uma sociedade deixa matar as suas crianças é porque começou seu suicídio. Quando não as ama, deixou de se reconhecer como humanidade”.

Nunca construiremos uma grande nação se dermos as costas à ética e deixarmos que a nossa consciência seja asfixiada pelo desinteresse, pelo individualismo, pelo conformismo e pela indiferença total ao sofrimento e às mazelas que nos oprimem.

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